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Augusto Nunes

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O protagonista do escândalo que abriu o festival de horrores da Era Lula

#ValeAPenaLerDeNovo: Em 2003, descobriu-se que Waldomiro condicionou a renovação do contrato entre a Caixa e a GTech ao pagamento de R$ 6,5 mi em propina

Por Augusto Nunes Atualizado em 15 Maio 2018, 23h13 - Publicado em 15 Maio 2018, 10h52

Publicado em 30 de abril de 2009

No inverno de 2002, a campanha eleitoral estava em seu começo quando Carlinhos Cachoeira foi convidado para uma conversa com Waldomiro Diniz, presidente da Loterj ─ empresa estatal que administra as loterias do Rio. Por saber com quem lidava, o delinquente que começou como bicheiro e fez fortuna como multimeliante em Goiás tratou de gravar o encontro, ocorrido numa pequena sala do aeroporto de Brasília, com uma câmera oculta. Por motivos ainda ignorados, só liberou o vídeo para exibições na TV em fevereiro de 2004.

Apesar da má qualidade das imagens e do som, o filmete fez muito sucesso. Com a voz e o olhar de pecador no confessionário, o presidente da Loterj tenta obrigar o bicheiro a anabolizar com contribuições de bom tamanho tanto a campanha da governadora Benedita da Silva, candidata à reeleição pelo PT, quanto a de Rosinha Garotinho, a adversária lançada pelo PMDB. A demonstração de generosidade, insinua Waldomiro, seria retribuída na forma de praxe: até o fim do governo, o doador estaria na lista dos amigos autorizados a delinquir em paz.

Cachoeira também poderia contar com a gratidão do caçador de contribuições, que não estava ali por motivos exclusivamente políticos. “Um por cento é pra mim”, confessa Waldomiro na fala mais picante, patética e pilantra do script. Pronunciada pelo corrupto trapalhão em 2002, foi ouvida pelo Brasil inteiro quando o dono do fiapo de voz falava grosso no cargo de subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, comandada pelo superministro José Dirceu. E o que seria mais um caso de ladroagem regional assumiu dimensões suficientemente superlativas para inaugurar o festival de escândalos da Era Lula.

Amigos desde 1991, Dirceu e Waldomiro dividiram um apartamento na planície antes de se instalarem no latifúndio da Casa Civil no Palácio do Planalto. Ao assessor de estimação do ministro cabia atender às demandas da clientela parlamentar. A agenda oficial o remetia diariamente ao Congresso, onde cumpria missões confiadas pelo comandante ─  um afago no senador carente de atenções, a antecipação da audiência com o chefe prometida ao deputado amuado, uma barganha moldada para melhorar o humor do partido arredio.

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Muito mais excitantes eram os compromissos camuflados nos rabiscos só decifráveis por quem os produzira. Aquelas folhas soltas compunham a agenda oficiosa de um estelionatário em ascensão. Com a mudança de emprego, mudaram as cifras, os parceiros e as cenas dos crimes. Só não mudou a porcentagem. A propina seguiu estacionada em 1%, mas o figurão federal passou a negociar procissões de zeros com grandes empresários em gabinetes maiores que o velho apartamento.

Em abril de 2003, por exemplo, descobriu-se que Waldomiro condicionou a renovação do contrato entre a Caixa Econômica Federal e a GTech, empresa que lucrava com as loterias federais, ao pagamento de uma propina de R$ 6,5 milhões. Um por cento dos R$ 650 milhões que a GTech receberia. Dirceu fez de conta que de nada soube. Reeditou a cara de paisagem quando até o gramado da Praça dos Três Poderes compreendeu que Waldomiro estava a serviço dos donos de casas de bingo. Confrontado com o vídeo bandalho, o ministro caprichou na imitação do inocente enganado e disse ao presidente que queria pedir demissão. “Eu disse que aquilo não fazia sentido, ele não tinha culpa de nada”, contou Lula mais tarde. Só o escândalo do mensalão despejaria do Planalto o especialista em recrutamento de assessores malandros.

Graças a Dirceu, Waldomiro não foi demitido a bem do serviço público, mas “exonerado a pedido”. Safou-se das preguiçosas investigações simuladas por uma comissão de sindicância do Planalto. Escapou da CPI dos Bingos. Voltou a contracenar com Cachoeira numa acareação judicial ocorrida no fim de 2005 e sumiu de Brasília. Cinco anos depois do vídeo que lhe garantiu alguns dias de fama, vive no interior de Goiás, longe do coração do poder e da cadeia.

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Em outubro de 2007, a repórter Andrea Michaels, da Folha de S. Paulo, informou que o extorsionário impune chefiava a área financeira de uma fábrica de ração e produtos para animais instalada em Goiânia. Para a Receita Federal, apurou a jornalista, continuava um fantasma: a última declaração de renda foi apresentada em 2005 e a CPF tinha sido cancelado. Waldomiro deve ter ressuscitado para o Fisco no ano seguinte, sugeriu em maio de 2008 o blog de Vicente Nunes, do Correio Braziliense.

“Ele se tornou um importante personagem no promissor mercado de carne bovina”, revelou o jornalista. “É agora representante oficial do Frgorífico Bertin, com procuração de plenos poderes reconhecida em cartório, para a venda de uma unidade do grupo no interior de Goiás”. Um negócio de R$ 10 milhões. Ainda de acordo com Vicente Nunes, José Dirceu é consultor informal da Bertin. O ex-assessor deve mais um emprego a um amigo que lhe deve eterna gratidão. Waldomiro hoje ganha dinheiro com carne de gado porque nunca deu nome aos bois.

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