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Merval Pereira: A cereja do bolo

Só muita ousadia para permitir que condenados por corrupção sejam favorecidos por uma anistia que deveria estimular a arrecadação, e não o contrário

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h43 - Publicado em 4 out 2017, 18h59

Publicado no Globo

Era só o que faltava. O novo programa de refinanciamento de dívidas (Refis), negociado na Câmara às vésperas da decisão sobre a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, ganhou um adendo surreal: a permissão para que os condenados por corrupção possam obter descontos e parcelamento da quantia que roubaram do dinheiro público e serão obrigados a devolver aos cofres da União.

É mais do que um reconhecimento implícito de culpa coletiva, é o cúmulo da desfaçatez, que parecia ter chegado ao auge quando se sabe que muitos dos deputados que negociaram as novas regras, inclusive o relator Newton Cardoso Jr, são empresários que serão beneficiados pela benevolência do novo programa.

Menos mal que o relator da MP do Refis no Senado, senador do PSDB Ataídes Oliveira, decidiu não aceitar “essa malandragem”, e rejeitará o adendo que beneficia os corruptos, o que pode inviabilizar totalmente a aprovação da medida provisória.

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O Sindicato dos auditores da Receita Federal a classificou de“um tapa na cara da nação”, pois estimula a sonegação, prejudica a arrecadação e favorece a concorrência desleal entre empresas.

Só muita ousadia para permitir que condenados por corrupção sejam favorecidos por uma anistia que, em tese, deveria estimular a arrecadação, e não o contrário. Especialmente quando se trata de dinheiro de corrupção.

Segundo especialistas,a aprovação do texto do novo REFIS é um claro exemplo de uso da máquina pública para fins privados, em típico desvio de finalidade, com quebra inequívoca dos princípios que deveriam presidir a administração pública.  O presidente Temer valeu-se do projeto para tentar cooptar votos de parlamentares investigados e endividados com o Fisco, e aceitou deixar o projeto mais generoso e dotado de regras flexíveis, permitindo que personagens alvos processos paguem suas dívidas com recursos desviados.

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Trata-se de uma incontroversa moeda de troca para a rejeição da nova denúncia contra o Presidente Temer. A M P 804 prorrogou o prazo de adesão ao programa especial de regularização tributária até 31 de outubro deste ano, nada mais conveniente e casuístico.

O programa alcançou até mesmo empresas em recuperação judicial e vem sendo utilizado, nos bastidores do Congresso, como forma de negociação dos votos junto aos Parlamentares. Seria urgente impedir que Deputados pudessem, direta ou indiretamente, utilizar-se desse programa, o que inclui suas empresas, das quais fazem parte, como sócios, na medida em que isso lhes afetará a isenção para o julgamento do Presidente Temer no Congresso Nacional.

Trata-se de uma fórmula de cooptação explícita, ostensiva, que pode ser interpretada como crime de responsabilidade do Presidente.

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O problema, portanto, não está apenas na discricionariedade dos benefícios concedidos, mas no conflito de interesses entre quem os concede e quem os recebe no momento da votação de uma denúncia. Essa troca de favores, de modo explícito, não é compatível com o nosso sistema constitucional.

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