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Mais que num candidato, milhões de brasileiros votarão na democracia

Na última semana de setembro, o avanço da necrose moral que devasta o Brasil de Lula foi exposto pela imprensa com perturbadora nitidez. No último debate da campanha presidencial, os quatro candidatos fizeram de conta que disputam uma prefeitura no interior da Noruega ─ e contornaram cuidadosamente as vastidões infeccionadas do país que pretendem governar. […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 14h04 - Publicado em 1 out 2010, 22h58

Na última semana de setembro, o avanço da necrose moral que devasta o Brasil de Lula foi exposto pela imprensa com perturbadora nitidez. No último debate da campanha presidencial, os quatro candidatos fizeram de conta que disputam uma prefeitura no interior da Noruega ─ e contornaram cuidadosamente as vastidões infeccionadas do país que pretendem governar.

Os sherloques da Polícia Federal investigam o escândalo da Receita Federal, que inclui o estupro do sigilo fiscal da filha de José Serra, com a animação de um guarda-noturno aposentado. Na Globo, o candidato do PSDB prometeu criar uma Guarda Civil Nacional.  Nenhum integrante do bando de Erenice Guerra dorme na cadeia. Dilma Rousseff, que apadrinhou a transformação da Casa Civil numa Casa da Mãe do Israel Guerra, caprichou na pose de Mãe dos Pobres e inaugurou mais um colossal ajuntamento de casas imaginárias.

Os gatunos do Amapá e do Tocantins, depois de duas noitadas na gaiola, estão de volta à campanha da aliança governista, ao palanque de Dilma Rousseff, à chefia da administração estadual e ao comando da quadrilha.  Marina Silva, que se nega a enxergar o mensalão, prometeu consertar o Brasil com a ajuda do que há de melhor em partidos que só recrutam o que há de pior. Os inimigos da liberdade de imprensa agora conspiram em parceria com blogueiros estatizados e analfabetos funcionais homiziados em sindicatos de jornalistas. Plínio de Arruda Sampaio, ainda estacionado em 1917, ensinou que os caminhos do futuro são os becos sem saída do passado.

Pela vontade unânime dos candidatos, o Brasil real não foi convidado para o debate. Por vontade de José Serra e seus marqueteiros, a oposição não compareceu ao estúdio da Globo. Como tem feito Lula há oito anos, como ela própria faz há oito meses, Dilma Rousseff pôde mentir com o atrevimento de quem sabe que não ouvirá reparos nem ressalvas. Dispensada de perguntas constrangedoras pelo principal adversário, poupada de cobranças políticas entaladas na garganta de todos os brasileiros decentes, a Doutora em Nada voltou a recitar que a dupla de sumidades que não sabe construir sequer uma frase está concluindo a construção da primeira superpotência tropical.

Sempre torturando a verdade e o português com a crueldade de um serial killer americano, a candidata que deve explicações sobre incontáveis delinquências e casos muito mal contados vestiu a fantasia de credora. Entre um “tem de tê” e um “vô precisá resolvê”, perdida sem bússola na selva das palavras, a representante do governo que mantém metade da população brasileira sem tratamento de esgoto  ousou, no meio do debate, cumprimentar o padrinho, e cumprimentar-se, pelos avanços no sistema de saneamento básico em adiantado estado de decomposição.

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O que houve com Serra para renunciar ao confronto? Premiado com a adversária que todo candidato pede aos deuses da política, por que um currículo respeitável evitou o duelo com um prontuário escurecido por inquietantes pontos de interrogação? É um falso enigma. Na raiz da estratégia absurda está o imenso equívoco seminal: a oposição oficial acredita em tudo o que dizem o Grande Pastor e seus devotos ─ que não acreditam numa palavra do que dizem.

Enquanto Lula ataca todos os adversários todo o tempo, os companheiros espalham que partir para a ofensiva só apressa a derrota. Serra acredita nisso. Fernando Henrique Cardoso será lembrado como o presidente que liquidou a inflação e tirou a economia da UTI. O sucessor espertalhão inventa a herança maldita, plateias amestradas aplaudem a fraude, os tucanos se recolhem ao silêncio. A queda de Dilma nas pesquisas só pode ter decorrido das bandalheiras em que se meteu. A aliança governista segue ensinando que brasileiro não dá importância a bandidagens. E Serra acredita.

Seja qual for o vencedor, nenhum terá chegado à Presidência por competência política e densidade eleitoral. Os brasileiros entusiasmados com Dilma Rousseff e José Serra não bastariam para garantir uma vaga na Câmara de Vereadores de Carapicuíba. Abstraídos parentes, amigos e vizinhos, todos os eleitores de Dilma votam em Lula. E multidões de eleitores escolheram Serra para que o país não seja derrotado pela eternização da Era da Mediocridade, assaltado pela tribo dos cínicos e subjugado pela seita dos liberticidas.

Mais que num candidato, milhões de brasileiros votarão na democracia.

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