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Fernando Gabeira: Os horrores do mundo

Não somos um país prioritário para o terrorismo. Mas será que o Isis sempre se moverá de acordo com a lógica que prevemos?

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 22h13 - Publicado em 29 jul 2016, 17h09

Publicado no Estadão

Quando menino, lembro-me de que a chegada de sinais do progresso era saudada com orgulho. Quando o teatro de revista chegou à cidade, o título do espetáculo era: Juiz de Fora Civiliza-se.

Com o tempo, a gente aprende a gostar do que vem de fora, mas descobre que de fora podem vir também as tendências mais sanguinárias e destrutivas.

Sou favorável a uma lei antiterrorismo no Brasil, independentemente da Olimpíada. Discordo da tese de que foi necessária apenas para atender a pressões externas. Ela foi imposta pelo mundo real.

Não somos um país prioritário para o terrorismo. Mas será que o Isis (Estado Islâmico) sempre se moverá de acordo com a lógica que prevemos?

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Depois do 11 de Setembro, os americanos levantaram suspeitas sobre a presença de terroristas na Tríplice Fronteira. Não há notícias de que tenham sido confirmadas.

Visitei a região e senti que a grande colônia muçulmana estava incomodada com as notícias sobre Foz do Iguaçu. Pelo que vi, pelo menos, não havia uma juventude sem perspectivas de trabalho. Ao contrário, sentia-se prosperidade e gente chegando para empreender, construir sua própria casa.

Os critérios que uso para classificar o perigo do terrorismo do Isis, assim como o da Al-Qaeda, começam por diferenciá-lo do terrorismo do século 20. Na peça Os Justos, de Camus, o atentado ao arquiduque é adiado porque havia crianças na carruagem. Hoje, os terroristas não se importam com crianças. Quanto mais mortes produzirem, mais satisfeitos.

Um outro critério é lembrar que aquele tipo de simpatia (Brasil, carnaval, Pelé) com que nos tratam com carinho não existe para esses terroristas. Vamos olhar pelo caminho mais amplo, despojados de todo sentimentalismo.

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Eles degolaram um padre de 86 anos perto de Rouen, na França. Somos o maior país católico do mundo. Respondem com bombas a um estilo de vida que tem na liberdade – a de expressão, inclusive – o seu máximo valor. Como o nosso.

O Brasil fez sua primeira experiência no combate aos grupos terroristas ligados ao Isis. Foi uma operação bem-sucedida, que contou com indicações do FBI. Mas faltou o que eu chamaria de um protocolo nacional para comunicar o tema à sociedade. Não pretendo redigi-lo. Mas, como leigo, parece-me que divulgar nomes e imagens de pessoas que acabam de ser presas não é a melhor tática. Se tiverem vínculos criminosos, o mais desavisado de seus cúmplices fugirá ou limpará o terreno. Se forem inocentes, terão sido, na verdade, sujeitos a uma exposição que marcará sua vida.

Outra tendência do governo que me deixou um pouco perplexo está no fato de ele analisar o grupo preso e classificá-lo de amador. Não cabe ao governo definir o profissionalismo de um grupo capturado. Ele prende, investiga e, no final, apresenta os dados.

Imagino que a opção de classificá-los como amadores tenha sido uma tentativa de acalmar a sociedade. Mas é muito discutível a ideia de que o amadorismo nos conforta.

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Quase no mesmo momento, um jovem afegão atacava a machadadas passageiros de um trem na Alemanha. O Exército Islâmico assumiu o atentado. Machado é arma rudimentar e amadora. Mas como dói.

O governo brasileiro terá de formar pessoas para comunicar seus passos na repressão ao terrorismo. Os ministros deveriam abster-se.

Durante algum tempo, no jogo de pequenas revelações à imprensa, o ministro da Justiça deixou no ar a possibilidade de as informações terem sido capturadas no WhatsApp. Um desgaste inútil.

Não acredito que tenham obtido dados do WhatsApp. Mas com as indicações do FBI monitoraram todos os suspeitos.

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O jogo de informações aos pedaços é muito confuso. Se as pessoas do governo não forem especificamente treinadas para tratar de um tema tão sério, elas podem até favorecer o inimigo.

Um dos argumentos para divulgar toda a ação foi o de que a mulher de um dos presos revelara a prisão dele no Facebook. Mas, e os outros? Por ela ninguém saberia o nome dos outros, pois só mencionou o que viu: a prisão do marido.

É compreensível e necessário que a polícia apresente os resultados de seu trabalho. Isso nos dá mais elementos para navegar no perigo. Uma operação bem-sucedida sempre fortalece a imagem. É até compreensível que o Brasil tenha querido passar uma mensagem de segurança, para lá fora dizerem: “Estão trabalhando”.

Mas a luta contra o terrorismo não é o melhor espaço para isso, porque suas regras transcendem o desejo de um reforço de imagem.

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Naturalmente, vamos conhecer mais sobre o perigo do terrorismo no Brasil depois que for divulgado um relatório. Mas o que está acontecendo lá fora também nos aproxima do real.

Um dos criminosos na Normandia usava tornozeleira eletrônica. No momento, esse acessório está bombando no Brasil, chega a faltar no mercado. Dizem que é segura, mas aqui é usada por idosos empreiteiros, lobistas.

O universo do terrorismo é diferente. Agora que existe uma lei será necessário amadurecer na sua execução.

Houve resistência a uma lei antiterrorista com medo de que criminalizasse movimentos sociais. Os fatos mostram atentados a manifestações de minorias religiosas, eventos culturais, celebrações como o 14 de Julho. Uma lei desse tipo, aplicada com uma visão clara do terrorismo, na verdade protege os movimentos sociais.

Os horrores do mundo estão chegando e é hora de encará-los sem os preconceitos do século passado. Esquerda e direita, elite de olhos azuis e proletariado, coxinhas e mortadelas, somos todos iguais para o Exército Islâmico. Duas brasileiras morreram no ataque em Nice. E somos atacados quase todas as noites pelas notícias da morte de tantos inocentes pelo mundo. O Exército Islâmico tem sido o nosso horror cotidiano.

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