Editorial do Estadão: Uma guerra no Rio
Ou se encontra uma solução para a crise, o que nas atuais condições político-econômicas do País não é nada fácil, ou dias ainda mais difíceis esperam o Rio
O dia de violência vivido terça-feira passada pela cidade do Rio de Janeiro, por causa de uma guerra de facções criminosas que disputam o controle de pontos de droga em favelas, é mais uma demonstração – e altamente inquietante por sua natureza e características – da grave crise em que está mergulhado o Estado fluminense. Uma preocupação que transcende os limites do Estado por envolver a segunda maior cidade do País e pelas cenas chocantes transmitidas pela televisão, que mostram uma situação quase fora de controle das autoridades.
Durante mais de três horas – tempo que a Polícia Militar (PM) demorou para colocar um mínimo de ordem no local – a luta dos grupos rivais de bandidos bloqueou a Avenida Brasil e a Rodovia Washington Luiz, duas das principais vias de acesso à cidade, provocando congestionamentos que afetaram uma ampla área do sistema viário do Rio. A população da região viveu um dia de terror, principalmente as pessoas que se viram em meio ao fogo cruzado dos bandidos do Comando Vermelho (CV), de um lado, e do Terceiro Comando Puro (TCP), de outro, e dos policiais militares. Cinco batalhões da PM tiveram de intervir no conflito, tal a sua amplitude e gravidade.
Foram incendiados nove ônibus, com um tempo mínimo dado pelos bandidos para que os passageiros os abandonassem às carreiras, e dois caminhões, antes saqueados. Tentativas de saques foram feitas em seguida por populares contra outros veículos que tentavam escapar das escaramuças. De tudo isso, além dos prejuízos, ficou um saldo de 2 bandidos mortos, 3 policiais feridos e 45 suspeitos presos. Foram apreendidos também 32 fuzis, 6 pistolas e 10 granadas.
Esse cenário – que assustou ainda mais a já amedrontada população carioca – era semelhante aos de países em guerra ou de outras cidades da América Latina que tiveram sua história marcada pelo domínio de traficantes em lutas entre si e com a polícia.
O mais grave é que tudo indica que essa situação só tende a piorar. Segundo dados da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), por exemplo, o número de ônibus queimados por bandidos neste ano no Estado (52) já supera o total do ano passado (43). Mais preocupante é a constatação, feita por pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, de que a violência no Rio voltou aos níveis anteriores à implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos locais mais perigosos da cidade.
É o malogro do projeto no qual o governo do Estado apostava para pacificar as favelas, acabando com o domínio nelas exercido pelos traficantes, e reduzir os altos índices de criminalidade que tornaram o Rio uma das cidades mais perigosas do mundo.
A deterioração da segurança pública é só um dos aspectos mais visíveis e assustadores da profunda crise por que passa o Estado do Rio. Virtualmente falido, ele não consegue pagar em dia seus funcionários e aposentados nem repassar os recursos suficientes para manter o funcionamento normal de serviços fundamentais como saúde, educação e segurança. O atendimento é precário em hospitais públicos – que atendem as camadas mais pobres da população –, muitos deles obrigados a manter apenas os serviços de urgência. Uma situação que se torna explosiva quando atinge as Polícias Militar e Civil e o Corpo de Bombeiros, principalmente levando-se em conta que o Rio já convive com altos índices de criminalidade há muito tempo.
A pedido do governador Luiz Fernando Pezão, serão enviados ao Rio mais 100 homens da Força Nacional de Segurança, segundo informou o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, que se juntarão aos outros 125 que lá já se encontram. Diante do tamanho do problema, essa é uma ajuda puramente simbólica.
Ou se encontra uma solução para a crise, o que nas atuais condições políticas e econômicas do País não é nada fácil, ou dias ainda mais difíceis esperam o Rio.