Editorial do Estadão: As carências da Polícia Civil
A Polícia Civil precisaria de mais 9 mil agentes. Esse déficit resulta de vagas não preenchidas ao longo do tempo e da não contratação de concursados
É lamentável, e igualmente perigoso, constatar que nada menos do que 40% das cidades de São Paulo – 256 de 645 – não têm delegado titular, como mostra reportagem do Estado, com base em dados do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp). O pior é que, como este problema – que compromete seriamente a segurança pública – é produto da falta de atenção do governo a esse setor de importância vital para a população durante muitos anos, não será possível resolvê-lo com a rapidez desejável. A sua solução demanda tempo.
Há delegados que respondem por até quatro cidades no interior e, como não há também investigadores e escrivães em número suficiente, muitas delegacias mal conseguem dar andamento mínimo às ocorrências que ali chegam. Em Guaraçaí, por exemplo, quando lá esteve a reportagem encontrou apenas um auxiliar administrativo. Os outros funcionários estavam de licença ou ocupados com trabalhos externos, como escolta de preso para audiência.
Situação semelhante foi constatada em Valparaíso. Em Lavínia, a delegacia estava vazia por volta das 14 horas e só apareceu um funcionário meia hora depois. Em Alumínio, a delegacia funciona em horário comercial e fecha aos fins de semana. A sorte – se se pode dizer assim, sem saber por quanto tempo ela vai durar – é que boa parte das cidades com essas graves deficiências na segurança são pequenas e com baixo índice de criminalidade.
Mas o caso da capital – que perdeu 1.500 policiais civis desde 1993 – demonstra que, infelizmente, nem sempre é assim. Na maior cidade do País, menos de um terço (27) dos 93 distritos policiais funciona 24 horas. Em 2009 todos eles ficavam abertos dia e noite. Embora São Paulo tenha um índice de criminalidade bem menor que o das demais capitais, a cidade enfrenta ainda grandes e notórios problemas de segurança pública, que exigem do aparelho policial prestação constante de serviço à população.
De acordo com o Sindpesp, a Polícia Civil, hoje com um efetivo de 26 mil agentes, precisaria de mais 9 mil. Esse déficit resulta de vagas não preenchidas ao longo do tempo e da não contratação de concursados. O secretário de Segurança, Mágino Alves, já se reuniu com representantes do Sindpesp para discutir a questão e se prontificou a estudar a possibilidade de contratar 2,3 mil já aprovados em concurso e um reajuste de salário em meados do ano.
A solução do problema, porém, deve demorar. Em nota oficial, a Secretaria da Segurança afirma que foram contratados 3.688 policiais civis desde 2011, que 442 agentes estão sendo formados na Academia de Polícia e 3.641 viaturas foram compradas. Nem por isso o quadro deixa de ser aquele apontado. Indiretamente, a Secretaria dá a entender que ele não deve ser mudado logo, pois não se pode “ignorar o fato de o Brasil estar atravessando a pior crise econômica de que se tem notícia. E o Estado deve obedecer os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Tudo isso é verdade e não se pode mesmo, a curto prazo, fazer muita coisa. Essa é uma dura realidade que o Sindpesp deve levar em conta, antes de tomar qualquer atitude de protesto contra a situação. Mas é igualmente verdade que a responsabilidade por se ter chegado a esse ponto cabe ao governo do Estado, que nos últimos anos não cuidou como deveria das carências da Polícia Civil. O que se espera da atual administração é que comece desde já a tomar medidas para corrigir a situação. E que a próxima administração continue nesse caminho.
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, Renato Sérgio de Lima, tem razão quando, em artigo publicado no Estado, chama a atenção para a importância da Polícia Civil, embora sua ação seja menos visível e cause menos impacto que a da Polícia Militar, sempre presente nas ruas. É ela que cuida da investigação e do esclarecimento dos crimes. E crime não resolvido é na prática um incentivo à impunidade.