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Dedos podres indicaram nove para SS-TF

Não é nada confortável saber que nove membros do colegiado foram indicados por políticos encrencados com a polícia e a Justiça

Por José Nêumanne
Atualizado em 4 jun 2024, 16h28 - Publicado em 24 abr 2019, 17h01

José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)

José Antônio Dias Toffoli era da Segunda Turma, a que solta aprisionados, até assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (SS-TF), contando sempre com aprovação de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Alexandre de Moraes é da Primeira Turma e nos julgamentos dela alia-se mais aos rigorosos Cármen Lúcia, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso do que ao voto vencido de Marco Aurélio Mello. Por que, então, formaram a dupla que está despejando a instituição no fosso da História desde que o primeiro inventou o infame inquérito da caça às bruxas entre críticos dos 11 ungidos e seus entes queridos? E o segundo aceitou com prazer a função de Torquemada do século 21 para relatá-lo. Juntos instituíram um arremedo farsesco de Estado policial, passando por cima da Constituição em nome do regimento da grei ao mandarem a Polícia Federal invadir domicílios, quebrar sigilo de computador e censurar site, revista e perfis de redes sociais de irredentos na fogueira medieval da prepotência, da arrogância e da truculência da carteirada institucionalizada.

Para entender essa questão aparentemente bizarra basta compulsar a implacável Wikipédia no velho Google. Todo mundo já sabe que Toffoli foi reprovado em dois concursos para juiz de primeira instância, o que o inabilitaria definitivamente para ocupar uma cadeira (a ser puxada por um “capinha”) no STF, por lhe faltar “notório saber”. Já era público e notório também que foi indicado ao pináculo da carreira pelo dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT) na Presidência da República, que o havia nomeado antes para a Advocacia-Geral da União (AGU). Mas não é muito divulgado o fato de que está ligado ao partido e ao patrono desde o começo de uma carreira sem brilho nem destaque. Ruy Castro, o biógrafo de Mané Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmen Miranda, encarregou-se de pôr o foco nos primeiros passos do atual chefão do “Pretório Excelso” em sua coluna da página 2 da Folha de S.Paulo na sexta-feira passada. Ou seja: tornou notório o que já podia ter sido público desde sua nomeação.

Espie só, preclaro leitor, a joia resgatada no computador ao alcance dos dedos pelo autor de O Anjo Pornográfico: “Toffoli foi consultor jurídico da CUT, ligada a Lula, em 1993-94; assessor jurídico da liderança do PT, partido de Lula, na Câmara dos Deputados, entre 1995 e 2000; advogado de três campanhas presidenciais de Lula, em 1998, 2002 e 2006; subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil de Lula, de 2003 a 2005; indicado por Lula para o cargo de advogado-geral da União, de 2007 a 2009; e, finalmente, indicado por Lula ao cargo de ministro do STF em 2009”. Completou: “E não dizem que Lula não é amigo de ninguém?”.

Lula foi citado cinco vezes no resumo biográfico do “supremo” juiz. É pouco ou quer mais? Não precisa ser um maldoso de nascença e ofício, como o autor destas linhas, para entender por que o “amigo do amigo de meu pai” ─ como foi citado, segundo o empreiteiro Marcelo Odebrecht, em ofício encaminhado ao juiz e deste ao Ministério Público Federal, no “propinoduto” da empreiteira ─ nunca se considera suspeito para julgar alguém do PT. Como Zé Dirceu, que foi seu chefe na Casa Civil… sabe de quem, sabe de quem? De Lula, do PT, naturalmente. Engana-se quem pensa que nessa negação de um velho princípio de ética de juízes ele apenas seguia os passos de um tucano, Gilmar Mendes. Qual o quê?!

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Nem o leitor mais desavisado deixa de saber que o pentapadrinho de Toffoli, o cinco vezes citado em sua biografia resumida a um parágrafo deste texto, está cumprindo pena de 12 anos e 1 mês por corrupção e lavagem de dinheiro numa dependência da Polícia Federal em Curitiba. E que a pena passou por unanimidade no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre, e no Superior Tribunal de Justiça. E que, com pena mantida por 6 a 5 no SS-TF, ele já foi condenado mais uma vez e é réu em mais cinco processos penais.

O cúmplice de Toffoli na violação da lei com a suprema carteirada, Alexandre de Moraes, tem luzes jurídicas mais variadas, não por atuações brilhantes em júris, mas pela autoria de livros teóricos da profissão, iniciada na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. Também não tem currículo de um padrinho só. Ao que se sabe, são três. Foi secretário de Justiça e, depois, de Segurança Pública do Estado de São Paulo em gestões de Geraldo Alckmin, do PSDB, partido ao qual se filiou em 2005. A Justiça de São Paulo determinou o bloqueio dos bens de Geraldo Alckmin e de seis executivos da empreiteira Odebrecht. Uma ação movida pelo Ministério Público paulista acusa o ex-governador de improbidade administrativa e de recebimento de mais de R$ 10 milhões para a campanha de 2014, não declarados na Justiça Eleitoral. Sob a chefia de Moraes, a Polícia Civil de São Paulo descobriu e prendeu rapidamente um hacker responsável por clonar o celular da mulher do ex-presidente Michel Temer, Marcela. O criminoso exigiu R$ 300 mil para não divulgar dados sigilosos, vídeos e outras informações de Marcela e foi condenado em prazo curtíssimo, em outubro de 2016, a cinco anos de prisão.

De 2007 a 2010, Moraes participou da administração municipal da capital paulista, na qual não era tido como servidor comum, mas supersecretário, por acumular múltiplas chefias: foi secretário municipal dos Transportes e de Serviços, chefe da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e da SPTrans. No ano passado, o Ministério Público de São Paulo denunciou seu chefe de então por suspeita de recebimento de R$ 21 milhões via caixa 2, tendo sido usada parte do valor na campanha eleitoral de 2008 para a Prefeitura de São Paulo. Por causa desse senão, Gilberto Kassab, dono do PSD, não pôde assumir a chefia da Casa Civil do governador João Doria, do PSDB.

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Moraes não se livrou de polêmicas quando advogou no curto interregno entre a Secretaria de Justiça e os superpoderes municipais. Então, ele defendeu Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, em ação sobre uso de documento falso, na qual conseguiu a absolvição do peemedebista. Cunha, o Caranguejo da Odebrecht, teve o mandato cassado e está preso preventivamente em Curitiba, no âmbito da Operação Lava Jato. Moraes atuou ainda em processos na área civil da Transcooper, cooperativa investigada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de São Paulo como suspeita em movimentações de lavagem de dinheiro e corrupção envolvendo a facção que atua dentro e fora dos presídios de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC). A banca de advocacia dele havia renunciado aos processos quando ocupou cargos públicos.

Em 2016, ao assumir o Ministério da Justiça no mandato-tampão de Michel Temer, do MDB, Moraes contou que tinha relação de amizade travada com o então chefe ao longo de 20 anos de aulas e palestras de Direito Constitucional, tema no qual ambos são especialistas. De qualquer maneira, a nomeação serviu para devolver à luz dos holofotes dos noticiários a presteza com que foi resolvido com a então primeira-dama, como na polêmica atual, envolvendo crime cometido em redes sociais.

Como Lula, paraninfo de Toffoli, Temer, o terceiro protetor de Moraes, também não é imune a denúncias criminais. Acusado de ter chefiado o tal “quadrilhão do PMDB”, juntamente com Cunha, ex-cliente de Moraes, Temer, devassado com fúria pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot foi preso pela Lava Jato no Rio de Janeiro e responde a nove inquéritos. Esse total o aproxima dos dois presidiários mais famosos do País: o citado Lula, do PT, e o correligionário de Temer, Sérgio Cabral, do MDB.

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A constatação de que quatro dedos podres indicaram o titular do inquérito fake da caça às bruxas e o relator que restaurou a censura, ao proibir divulgação da notícia, na revista Crusoé e no site O Antagonista, que celebrizou o presidente do SS-TF como “o amigo do amigo de meu pai”. Marco Aurélio Mello foi indicado ao topo da Justiça pelo primo Fernando Collor, deposto da Presidência por corrupção, depois negada pelo STF. Cármen Lúcia, madrinha do “cala-boca já morreu”, ascendeu ao posto máximo por indicação de Lula, que também nomeou Ricardo Lewandowski. E Dilma Rousseff, que tem sido citada em delações premiadas da mesma Odebrecht e do antigo lugar-tenente Antônio Palocci, impôs a unção de mais quatro: Fachion, Rosa, Fux e Barroso.

Não é nada confortável saber que nove membros do colegiado foram indicados por políticos encrencados com a polícia e a Justiça. Menos confortável ainda é saber que a sórdida censura caiu de podre, mas o decreto fake, embora fulminado pela catilinária impecável de Raquel Dodge, procuradora-geral da República, sobrevive, impávido colosso de lama, ao dispor de caprichos dos 11.

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