“De ponta-cabeça” e outras notas de Carlos Brickmann
Otávio Frias Filho foi um diretor rigoroso, vigoroso; revolucionário. A Folha, em suas mãos, se manteve até agora como o maior jornal do país
Publicado na Coluna de Carlos Brickmann
Vida de jornalista não era o que queria. Gostava mesmo de ler, de estudar. Gostava de teatro, de literatura, de Sam Shepard. Mas coube a ele, aos 26 anos, dirigir o jornal da família; e o dirigiu como se fosse esta sua ocupação preferida. Foi um diretor rigoroso, vigoroso; revolucionário. A Folha de S.Paulo, em suas mãos, se manteve até agora como o maior jornal do país.
Pouco conheci do Otávio fora do jornal: reservado, sério, formal, nada dizia de sua vida particular. No jornal, conheci-o bem: de poucos sorrisos, mas aberto a sugestões e enfoques não habituais. Quando assumiu a direção, aos 26 anos, esmagou as reações com mão de ferro. Dizia-se que não confiava em ninguém com mais de 30 anos. Impôs-se. A Folha, que já tinha mexido com a imprensa ao abrir-se a intelectuais das mais diversas tendências e ao mergulhar na luta por eleições diretas, avançou na ênfase ao pluralismo. Daí as bobagens de que a Folha é petista ou inimiga do PT. A Folha é a Folha.
Dois dos jornalistas que melhor se deram com ele foram Ricardo Kotscho e eu, ambos o oposto do que preconizava. Os dois informais, ele formal; ambos distantes da Academia ele defensor de PhDs, másters, professores; ele cultor dos especialistas, os dois adeptos da reportagem geral. Ao escolher quem iria ao México para cobrir a Copa de 1986, ele optou pelos dois ─ que jamais haviam trabalhado em Esportes. A aposta, modestamente, deu certo.
Ele era capaz de confiar em quem era seu oposto.
O título
Da confiança nos opostos nasceu o título desta coluna ─ o mesmo de um livro do Otávio, que reúne seus artigos na Folha.
A notícia
Otávio Frias Filho, 61 anos, morreu na madrugada desta terça-feira, vítima de câncer no pâncreas. Trabalhou até os últimos dias, escrevendo no hospital.
Renovação, só com os mesmos
O eleitor está saturado dos atuais políticos: isso se percebe numa conversa e se confirma nas pesquisas. Mas a renovação no Congresso será baixíssima: a combinação de campanha curta e proibição de doações de empresas faz com que os nomes já conhecidos levem ampla vantagem. O financiamento público de campanhas é entregue aos partidos, que escolhem quem irá recebê-lo. Claro, os caciques de sempre. Por isso, ¾ dos congressistas vão tentar se reeleger. E entre os que não tentam a reeleição há quem queira só mudar de cargo, disputando o Executivo. No total, apenas 7% dos parlamentares estão dispostos a largar o osso. Poucos decidiram abandonar de vez a boa vida.
Tirando da reta
Mas, de qualquer modo, haverá alguma renovação, e gente importante que troca de cadeira. O grande fator é a Lava Jato. Ninguém quer correr o risco de cair nas mãos de juízes de primeira instância. Três senadores ameaçados preferiram não tentar a reeleição e lutar pela deputança, onde é mais fácil se eleger e o foro privilegiado é o mesmo: Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, Aécio Neves, ex-presidente nacional do PSDB, e José Agripino Maia, ex-presidente nacional do DEM. Gleisi tem um inquérito na Lava Jato, Agripino é réu em dois processos no STF e Aécio está na lista dos gravados por Joesley Batista. Mas todos apresentam motivos nobres para a desistência: pensam em reforçar a bancada federal em benefício de seus Estados. Agripino, para atingir esse objetivo, fez com que seu filho Felipe desistisse da Câmara.
Os Lulas
Gleisi Hoffmann, para garantir a eleição à Câmara (mantendo, assim, o foro privilegiado), concorre com o nome de “Gleisi Lula”. Mas não é a única petista a buscar identificação com seu ídolo maior. No Maranhão, surge Ney Jefferson Lula; em Pernambuco, Neide Lula da Silva; no Espírito Santo, Eduardo Lula Paiva; e, em São Paulo, há um que se registrou só como “Lula”.
A hora do voto
O pessoal de Bolsonaro canta vitória, os petistas acreditam que, se der para colocar nome e fotografia de Lula na urna, votos que seriam dele serão transferidos para o candidato que ocupar seu lugar (hoje, Fernando Haddad). As pesquisas dão Lula na frente, com Bolsonaro em segundo; ou, sem Lula, com Bolsonaro na frente. Só que a campanha de verdade começa agora, com o horário gratuito. A TV sempre foi e ainda é a maior arma de campanha, apesar das redes sociais. Alckmin não tem charme, mas tem 11 minutos de tempo de TV. Deve subir. Bolsonaro tem dois blocos de quatro segundos por dia. Pode cair. Haddad, diz a pesquisa, terá 17% dos votos que seriam de Lula. Marina herdaria 12%. Daqui até 7 de outubro muita coisa pode mudar.
Meirelles, o coerente
Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do Banco Central, é um homem coerente: sempre lutou pela estabilidade da moeda. Agora mantém a estabilidade das intenções de voto: não passam de 1%, seja qual for o cenário, com Lula ou sem Lula.