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Augusto Nunes

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‘O aço que nos tempera’, um texto de Fernando Gabeira

Publicado no Estadão desta sexta-feira FERNANDO GABEIRA O relatório sobre a queda do viaduto em Belo Horizonte apontou a causa: a viga de sustentação tinha só 1/10 do aço necessário para conter o peso da estrutura. Stalin chamava-se o homem de aço. Romances populares editados pelos partidos comunistas da época celebravam os bolcheviques de aço, […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 03h22 - Publicado em 1 ago 2014, 14h44

Publicado no Estadão desta sexta-feira

FERNANDO GABEIRA

O relatório sobre a queda do viaduto em Belo Horizonte apontou a causa: a viga de sustentação tinha só 1/10 do aço necessário para conter o peso da estrutura. Stalin chamava-se o homem de aço. Romances populares editados pelos partidos comunistas da época celebravam os bolcheviques de aço, entre eles um aviador que perdeu as pernas e continuou combatendo. No universo ocidental, mais crítico, o aço é integrado ao corpo humano na figura de um herói infantil, o Super-homem. Não tenho nada contra a fusão do corpo com o metal. O titânio tem ajudado muita gente a se mover normalmente: é uma boa presença. Felizmente, não trabalhamos com essa mitologia de corpos de aço. Mas pelo menos o aço de nossas construções deveria ser o suficiente para mantê-las de pé.

Para onde foram os 90% do aço? É uma pergunta pertinente, pois só assim entenderíamos melhor o desabamento, para além do laudo técnico. Ausência do aço necessário, camuflada em misturas de areia e cimento, é um elemento simbólico no País. Foi essa mistura malemolente que derrubou os prédios do Sérgio Naya. No Rio, um deputado confessa em gravação que recebe R$ 15 mil/mês, entre outros ganhos, só com o lanche que é servido por ONGs conveniadas com a prefeitura. Se os lanches pudessem ser decompostos como elementos de uma viga, diríamos que milhares de pães, rios de café com leite, igarapés de laranjada desembocaram na barriga do deputado.

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Uma notícia diz que Lula se surpreendeu com o desgaste do governo, esperando algo assim só para 2018. Os governos desgastam-se, naturalmente, numa democracia. Nela precisam gerir recursos limitados para atender a gigantescas necessidades. E vencem as eleições prometendo mais do que podem. Esse é um dos dínamos da alternância. Mas cada governo se desgasta de maneira singular. A tolerância e a cumplicidade com a corrupção são fatores, entre outros, que determinaram o desgaste do PT. Alguns afirmam que corrupção sempre existiu, mas agora aumentou a transparência. Parcialmente correto. No entanto, muitos casos só emergiram, como o mensalão e esse escândalo carioca, de uma forma clássica: a disputa pelo butim.

O desgaste do PT começou como uma pedra na água. O primeiro círculo de descontentes nasceu com os navegantes próximos que abandonaram o barco. Impulsionados pelos ventos econômicos, novos amplos círculos desenham-se na água. O processo não se resume à política interna e à economia. O PT quer realizar uma política externa dele, e não do País. Isso é possível em Cuba ou na China. Não para um partido que chega ao poder pelo voto, num contexto democrático. Os dirigentes chineses e cubanos fundem o país com o partido porque liquidaram a oposição organizada.

Esse tema não tem grande impacto eleitoral, mas sempre me preocupou. A nota que o governo brasileiro publicou sobre a guerra na Faixa de Gaza exprime a posição do partido e de milhões de pessoas diante da morte de civis e crianças. No entanto, uma nota nacional sempre é mais equilibrada, mencionando também a violência do Hamas.

O porta-voz israelense chamou o Brasil de anão diplomático. Um líder trabalhista chamou o Brasil de gigante do futebol. Não somos nem uma coisa nem outra. É um equívoco chamar o Brasil de anão diplomático, pois retira a importância do fato histórico da criação de Israel. Neste caso da guerra em Gaza, a violência da resposta de Israel acabou atenuando a posição do governo brasileiro. Mas, sem dúvida, houve uma inflexão: ingenuamente, Lula achou que poderia influenciar um processo de paz. Chegou a viajar para isso.

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Ao lançar a nota, o governo praticamente abre mão de dialogar com um dos atores. O Brasil não tem o poder de resolver uma crise que desafia a humanidade, como a do Oriente Médio. Mas tem sido eficaz na pacificação de conflitos nos países de sua região. Está na busca efetiva da paz o grande fundamento de nossa política externa. Mas o PT move-se em zigue-zagues.

A política externa tem pouco impacto eleitoral, mas soma-se aos equívocos que, no conjunto, jogam o PT numa aventura romanesca: navegar sem novas ideias num oceano de desejos de mudança. São Paulo é uma referência: o governo perde para qualquer um dos opositores, sinal de que, para a maioria dos entrevistados, o PT já era. Em termos eleitorais, isso é equacionado em números: perdemos aqui, ganhamos em outros Estados, não ameaça a vitória nacional. Mas perder na região mais desenvolvida do País dá o que pensar, sobretudo para quem se diz na vanguarda do progresso, combatendo elites brancas e outros moinhos de vento.

A Bolsa Família é uma zona de conforto porque envolve milhões de pessoas e foi reconhecida internacionalmente. Supor que represente um escudo contra todos os erros e tropeços é um equívoco. Alguns críticos do programa dizem que com a bolsa as pessoas não querem trabalhar. Discordo, minha tese é que, com a bolsa, o governo não quis mais trabalhar, no sentido de interpretar o Brasil, buscar alternativas, ligar-se aos setores mais dinâmicos e desenvolvidos tanto dentro como fora do País. A Bolsa Família deu para o gasto. E agora que o preço político dos erros vai ficando mais alto?

Por mais que os pragmáticos riam, o viaduto que caiu, além de matar duas pessoas, indicou, para mim, o ponto central do momento: nosso sistema político, já frágil, foi perdendo o aço com a mistura de areia e cimento que a longa dominação do PT injetou. O perito de Minas ficou surpreso porque a viga não se partiu antes. Se traduzimos o aço por credibilidade, também ficamos surpresos como o edifício político se mantém no Brasil. É um problema que transcende as eleições deste ano. Mas elas são a única oportunidade para todos poderem olhar para o abismo que se abriu entre o universo político e o Brasil real.

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O ano que nos espera, sobretudo no setor da energia, não é dos mais animadores. O pequeno apagão que vivi na manhã de domingo me lembrou da aspereza do caminho. Tocar o País em tempos de crescimento internacional e distribuição de renda é mais fácil. Quem vencer as eleições encontrará uma pedreira.

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