‘Chegando a hora’, por Ricardo Noblat
PUBLICADO NO BLOG DE RICARDO NOBLAT NESTA SEGUNDA-FEIRA RICARDO NOBLAT Quem ainda tem dúvidas sobre a verdadeira natureza da relação do contraventor Carlinhos Cachoeira, preso sob a acusação de explorar jogos ilegais, com o senador Demóstenes Torres (GO)? Os dois eram amigos, por suposto. Mas as centenas de ligações telefônicas grampeadas pela Polícia Federal mostram […]
PUBLICADO NO BLOG DE RICARDO NOBLAT NESTA SEGUNDA-FEIRA
RICARDO NOBLAT
Quem ainda tem dúvidas sobre a verdadeira natureza da relação do contraventor Carlinhos Cachoeira, preso sob a acusação de explorar jogos ilegais, com o senador Demóstenes Torres (GO)? Os dois eram amigos, por suposto. Mas as centenas de ligações telefônicas grampeadas pela Polícia Federal mostram que além de amigos também eram sócios.
A cozinha dada de presente por Cachoeira a Demóstenes foi coisa de amigo. Demóstenes acabara de se casar.
Mas o Nextel que Demóstenes ganhou de Cachoeira foi coisa de bandido.
Cachoeira supôs que o aparelho era à prova de grampo. Distribuiu uma dezena para pessoas que o ajudavam a fazer negócios.
Demóstenes era uma delas.
Logo que ruiu sua imagem de exemplar servidor da ética, ninguém dentro do Congresso apostava uma nota de três reais no futuro de Demóstenes. Hoje, o Conselho de Ética do Senado aprovará o relatório que recomenda a cassação do mandato dele. Em seguida, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado avalizará o resultado.
Se tudo correr como o previsto, os 81 senadores (inclusive Demóstenes) se reunirão, no próximo dia 18, para confirmar ou desautorizar o que o Conselho de Ética decidiu. É aí que mora o perigo. O voto no Conselho é aberto. No plenário é secreto. Quem condenar Demóstenes no Conselho poderá absolvê-lo no plenário sem se expor.
E por que a maioria dos senadores fecharia os olhos às evidências de que Demóstenes feriu o decoro parlamentar? Ora, até Luana, minha neta de 4 anos, responderia sem gastar dois neurônios: porque estão pouco se lixando para decoro. Procedem como Demóstenes ou até pior.
Não têm biografias, mas prontuários.
A chantagem é um instrumento afiado, perigoso. Políticos costumam conhecer os malfeitos praticados pelos colegas. Por curiosidade, trocam confidências a respeito. Aprendem uns com os outros. Aperfeiçoam as técnicas de se dar. E bebem em fontes comuns de financiamento de despesas de campanha.
Se um deles correr o risco de ser decapitado pelos demais, apelará para a chantagem se não lhe restar outra saída. Assim, Renan Calheiros salvou seu mandato ao se tornar público que o lobista de uma empreiteira pagava despesas de sua examante com quem ele tem um filho. Na história de 188 anos do Senado, somente um senador foi cassado.
A política virou um meio seguro e eficiente de enriquecimento ilícito. A desqualificação do Congresso pegou velocidade.
Cito de memória presidentes recentes do Senado que renunciaram ao cargo ou ao mandato para não ser cassados: Jader Barbalho (PA), Antonio Carlos Magalhães (BA) e Renan Calheiros (AL). Esqueci algum?
Severino Cavalcanti presidiu a Câmara em 2005. Foi obrigado a renunciar à presidência e ao mandato porque se ficou sabendo que embolsava um mensalinho de R$ 10 mil pago pelo concessionário de um dos restaurantes da Câmara.
João Paulo Cunha, que antecedeu a Severino no cargo, está para ser julgado como um dos 38 réus do mensalão.
Políticos dão a impressão de ser poderosos. E há os que de fato o são até que surja um conhecedor dos seus segredos disposto a revelá-los.
Um motorista, um caseiro, uma mulher agastada ─ qualquer um serve. Quanto mais humilde for, maior o estrago que suas revelações poderão produzir. Quanto a quem detém de fato poder…
Essa gente não revela segredos nem quando passa aperto.
Vale pelo que sabe, mas não conta. Marcos Valério, um dos cérebros do mensalão do PT, por exemplo, nada contou. Uma vez insinuou que contaria. Lula então tomou um porre e falou em renúncia.
Valério acabou socorrido pelos que temeram suas inconfidências.
O socorro a Valério foi financeiro.
Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta, não quer dinheiro, mas proteção.
Com a autoridade de quem admitia gastar R$ 6 milhões com um senador ou R$ 30 milhões para descolar um bom negócio, cobra proteção a seus amigos infiltrados na CPI do Cachoeira. Está sendo protegido até o momento.