Armas feitas com ossos de baleia há 20 mil anos são encontradas em caverna
Estudo identifica os mais antigos objetos feitos com ossos de baleia já registrados, revelando como humanos pré-históricos aproveitavam animais encalhados

Os pesquisadores analisaram mais de 170 fragmentos de ossos encontrados em 26 sítios arqueológicos da chamada cultura Magdaleniana, que corresponde ao período entre 20 mil e 14 mil anos atrás. Entre os achados estão pontas de lanças, partes de projéteis e outros objetos de caça feitos a partir de ossos que pertenceram a pelo menos seis espécies diferentes de cetáceos.
Essa é, segundo os autores, a mais antiga evidência já registrada de que humanos transformavam carcaças de baleias em ferramentas — muito antes do surgimento da caça organizada a esses animais, que só aconteceria milênios depois.
Como os ossos chegaram até lá
As peças analisadas foram encontradas em cavernas e abrigos localizados a vários quilômetros do litoral atual. Mas, na época em que esses grupos viveram, o nível do mar era cerca de 120 metros mais baixo, e a linha da costa estava muito mais próxima dessas regiões. Ainda assim, transportar fragmentos de baleia para o interior exigia esforço e planejamento — o que mostra a importância desses materiais para os povos da época.
Segundo os cientistas, é pouco provável que os humanos pré-históricos caçassem baleias ativamente. Em vez disso, eles provavelmente aproveitavam animais que encalhavam mortos nas praias ou apareciam à deriva. A composição química dos ossos indica que eles vieram de grandes espécies oceânicas, como a baleia-fin, o cachalote e a baleia-azul — animais que dificilmente seriam abatidos por caçadores com armas rudimentares e sem embarcações.
Tecnologia simples, aproveitamento engenhoso
Com técnicas básicas de lascamento e polimento, os grupos Magdalenianos foram capazes de transformar ossos de baleia em instrumentos de caça sofisticados. Os artefatos feitos com esses materiais tinham formas semelhantes às pontas de lança de osso ou chifre de cervo já conhecidas da arqueologia — mas eram, em geral, maiores e mais robustos.
Algumas peças foram feitas com ossos de cachalote, que têm uma densidade e formato especialmente úteis para a confecção de armas. Há também evidências de que fragmentos maiores podem ter sido usados para extrair gordura ou óleo, ou ainda como reserva energética. Uma das cavernas analisadas, chamada Santa Catalina, revelou dezenas de ossos quebrados propositalmente, o que pode indicar tentativas de extração de gordura.
Janelas para um oceano perdido
Além de lançar luz sobre a vida humana na pré-história, a descoberta oferece pistas valiosas sobre o ambiente marinho da época. A análise dos ossos revelou a presença de espécies hoje raras ou desaparecidas do Atlântico Norte, como a baleia-cinzenta, que atualmente só vive no Pacífico. Os pesquisadores também encontraram indícios de baleias-francas e baleias-da-Groenlândia — espécies associadas a águas frias e ricas em nutrientes.
Essa diversidade sugere que o oceano naquela época era altamente produtivo, com características semelhantes às regiões árticas atuais. Segundo os autores, a presença abundante de cetáceos pode ter contribuído para o fortalecimento dos vínculos entre os grupos humanos e o ambiente costeiro, estimulando o uso crescente de recursos marinhos.