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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Por que um youtuber brasileiro teve o vídeo mais visto do Oscar

A live de Felipe Neto foi acessada por acima de 2,5 milhões de pessoas, sendo o conteúdo mais pop sobre a premiação. Sinal dos novos tempos?

Por Filipe Vilicic Atualizado em 6 mar 2018, 17h42 - Publicado em 6 mar 2018, 17h24

Duas notícias sobre o Oscar me chamaram atenção ontem. Primeira: a audiência da transmissão oficial da premiação, via TV, teve queda de 19% em relação ao ano passado, sendo o nono ano seguido de diminuição do público. Segunda: a live (vídeo ao vivo na internet) sobre o Oscar, comentando a premiação, mais vista do mundo foi a de um youtuber brasileiro, o carioca Felipe Neto, dono de um canal com quase 20 milhões de seguidores (e tema desta reportagem em VEJA, assinada por este colunista). Ele conquistou um público superior a 2,5 milhões de pessoas (enquanto escrevo este texto, já flerta ultrapassar os 3 milhões) – sendo que quase 200 mil viram simultaneamente, no mesmo segundo, ao mesmo tempo, a produção ao vivo. Destaco: as notícias chamaram atenção. Contudo, não surpreenderam.

Já faz anos que durmo assistindo ao Oscar. Digo, durmo bem no meio da cerimônia. E olha que sou um insone.

A última edição em que consegui permanecer acordado foi a apresentada por Seth MacFarlane em 2013. E só fiquei de pé por um motivo que nem muito tinha a ver com a premiação. Sou fã de algumas das criações de MacFarlane, como a genial série de animação (de humor – muito – ácido) Family Guy e o filme Ted (que levou à fúria alguns conservadores brasileiros). Queria checar se ele teria peito para transferir suas tiradas hilárias, repletas de ironias e críticas politizadas, e de estilo contemporâneo, para o caretíssimo palco do Oscar.
(Ele se saiu mais ou menos, tão inconstante quanto sua carreira, sendo que os pontos altos da apresentação foram os mais espinafrados. Isso porque tirou sarro das bilheterias minguantes das salas de cinema, de celebridades amadas como Daniel Day-Lewis e Quentin Tarantino, indicou que o produtor Harvey Weinstein assediava atrizes – em época na qual não estava em voga tais denúncias –… ou seja, zoou, em tom de politicamente incorreto, tudo aquilo com que o corretíssimo Oscar não queria – ainda? – mexer e, por esse motivo, foi execrado.)

MacFarlane, no entanto, não permaneceu para apresentar em outros anos. Parece que o estilo moderno dele não combinou com a breguice arcaica do evento. E quase tudo continuou com cheiro de coisa antiga no Oscar.

Mas o público ainda quer saber quem venceu, quem perdeu. Assim como gosta de comentar, tirar sarro, elogiar, criticar, as escolhas da Academia. Não se vendo representada pelo evento, em si, como essa audiência reage?

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Da mesmíssima forma que tem agido frente a outros produtos de entretenimento que não se renovaram na era conectada: migra para a internet. Como? Sei de muitos – jovens, em especial – que já deixam a TV ligada no Oscar, mas no mudo. Preferem acompanhar de ouvido numa segunda tela, a do smartphone, do tablet, do computador. Assim esses persistentes fãs do cinema se livram da chatice programada e esperada da apresentação e podem optar por assistir ao evento, mas com observações – de teor mais a ver com esta era de redes sociais – feitas por aqueles aos quais já curtem ouvir. Ou seja, um youtuber preferido, um tuiteiro qualquer, um blogueiro. Alguém ligado com os novos tempos, e menos atrelado ao brega politicamente correto do Oscar.

Como resultado, enquanto cai o público do Oscar na TV, sobe o dos comentaristas do Oscar na internet. Como Felipe Neto, com seus 2,5 milhões. Ou o time do Pipocando, outro canal de YouTube, com acima de 1 milhão. Os 2,5 milhões do campeão desse ranking compõem uma turba virtual de volume superior ao da que assistiu ao anúncio dos indicados à láurea, feito pela própria Academia no YouTube (total de público: 1,9 milhão), ou ao alcançado por comentaristas de veículos tradicionais da imprensa americana, a exemplo do The Washington Post.

Mais que evidenciar um envelhecimento, rumo à pura amolação, do Oscar, a escolha da audiência remete à transformação (ao que tudo indica, sem retorno) brutal da indústria do entretenimento. A nova geração, a que nasceu com a internet já em seu pico, parece não ter o mesmo encanto por estrelas distantes de Hollywood ou da TV. Aquelas inacessíveis, de porte divino. Também não se contenta em sentar no sofá para ver de forma passiva a um programa qualquer, a exemplo da transmissão do Oscar.

Esses ainda jovens, mas que logo se tornarão os adultos, depois os velhos, crescem com gosto pelas celebridades típicas da internet. As que conversam com o público, respondem a comentários, promovem a interação usual no estilo de um Facebook ou Instagram. Também preferem acompanhar os vídeos do YouTube, pois nele têm a opção de comentar, conversar com um ídolo, bater papo com outros fãs no espaço destinado a tal. Isso em comparação a fincarem a bunda na poltrona para ver, de maneira estritamente passiva, às piadas sem graça de Jimmy Kimmel – nome com o qual, aposto, a maioria nem é familiar.

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A transição dos espectadores do Oscar para as lives da internet se trata, portanto, de um fenômeno esperado da era conectada, a na qual o virtual e o real se mesclaram para transformar nossa rotina num amálgama das duas coisas. Um que poderia ser ironicamente traduzido por uma piada feita por Kimmel no… palco do Oscar:

“O Oscar já tem 90 anos. O que quer dizer que provavelmente está em casa vendo Fox News”

Se quiser se adaptar ao século XXI, talvez esteja na hora do Oscar desligar a TV, se conectar num iPhone e trocar a Fox News por um canal no YouTube. Assim pode ser que eu não durma na próxima vez que for assisti-lo.

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