Episódio 9: O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, chega a Los Angeles
E então, chegou a hora da turma de americanos malucões fazer as malas, deixar Paris, viajar no tempo e desembarcar nos Estados Unidos
Este blog , um passeio entre 1924, quando houve a segunda Olimpíada em Paris, e a de 2024, chega ao fim, depois de quinze dias surreais.
Um acontecimento de 1924…
Os americanos Zelda e F. Scott Fitzgerald tinham passado um tempo em Paris, mas pareciam cansados de tanta bebedeira, tanta festa, tanta confusão. Decidiram, então, fazer as malas para uma temporada em canto menos frenético e mais ensolarado. Mudaram-se, no segundo semestre de 1924, para um casarão na cidade de Saint-Raphael, na região da Provença-Riviera Francesa, 700 quilômetros a sudeste da capital. Foi de lá, da Villa Marie, em 27 de outubro, que Fitzgerald escreveu uma pequena carta para seu editor, nos Estados Unidos, Max Perkins. “Querido Max”, começava o escritor. “Envio meu terceiro romance, The Great Gatsby. Acho que finalmente fiz algo realmente meu, mas ainda não sei até que ponto esse ‘meu’ é bom.”
O ponto-final do romance vinha sendo adiado pela atávica insegurança do autor de Este Lado do Paraíso, de 1920. Aliás, um dos motivos para o exílio francês era a tentativa de finalmente terminar o novo livro. Chamava-se, originalmente, Among the Ash-Heaps and Millionaires (Em Meio às Cinzas e aos Milionários). Os maus costumes de Fitzgerald, contudo, eram empecilho fatal. Ele mesmo, em uma outra correspondência, listou a trinca de problemas:
- Preguiça;
- Deixar tudo nas mãos de Zelda – um péssimo hábito, pois nada deveria ser entregue a alguém até estar terminado; e
- Consciência vocabular; insegurança; etc., etc., etc.
O título só mudaria na véspera de ser enviado para a gráfica, por sugestão e insistência de Perkins, que não teve dúvida nenhuma do que lhe chegara da França. Eis o que ele respondeu a Fitzgerald, depois de atravessar as folhas batidas a máquina, de poucas rasuras: “Acho que o romance é uma maravilha. Vou levá-lo para casa e lê-lo de novo, para depois expor minhas impressões por inteiro, mas ele tem um grau extraordinário de vitalidade e glamour, além de um bocado de insights de natureza incomum. Tem uma espécie de atmosfera mística às vezes que você infundiu em determinados trechos de Paraíso e depois nunca mais usou. É uma fusão formidável, formando uma unidade de apresentação, das incongruências extraordinárias da vida atual. Quanto ao estilo em si, é impressionante”.
O Grande Gatsby rapidamente viraria um clássico obrigatório. Como anota o vencedor do Pulitzer A. Scott Berg em Um Editor de Gênios, a biografia de Perkins, ao relatar o vaivém dos humores do livro: “Como acontecera com a vida do próprio Fitzgerald, o cenário do romance mudava do Meio-Oeste, na virada do século, para o que o autor chamou de ‘ilha delgada e turbulenta que se estende a leste de Nova York’. Contudo, ficcionalizar a vida glamourosa de seus vizinhos vinha se mostrando uma tarefa difícil, e o recurso adotado foi típico de Scott: ‘Eu iria pegar a atmosfera conhecida de Long Island que respirei em primeira mão’, escreveu Fitzgerald anos mais tarde no ensaio My Lost City, ‘e materializá-la sob um céu desconhecido’. Os Fitzgerald pegaram um navio para a França.
… e um de agora (ou de 2028)
Os Jogos de Paris, que chegam ao fim, pegam um navio para os Estados Unidos, com parada final em Los Angeles, palco da Olimpíada de 2028. O torneio acontecerá pela terceira vez na cidade do cinema – as outras duas foram em 1932 e 1984. Apenas a capital francesa e Londres abrigaram a competição por três oportunidades. Prevê-se, daqui a quatro anos, a pavimentação definitiva de um novo modo de enfrentar a decadência do interesse por modalidades clássicas, alheias à juventude. Em Tóquio deu-se a inclusão do surfe e do skate. Paris enabrigou o breaking. Para Los Angeles, o COI pôs na mesa seis novidades: o flag football, versão light do futebol americano; o beisebol, que retornou ao calendário olímpico, e seu irmãozinho, o softbol; o lacrosse, identificado pelo taco com uma rede na ponta, popularíssimo na América do Norte; o squash; e o críquete, que chegou chegando por atrair mais de 2,5 bilhões de fãs pelo mundo, sobretudo na Índia e no Paquistão. O breaking, coitado, dançou e foi excluído, como já contamos neste blog. Fez a festa diante da Torre Eiffel, e não mais.
Não há dúvida, porém. Apesar dos muxoxos dos conservadores, muito dificilmente a locomotiva de ineditismos será interrompida. O motivo: todo mundo sai ganhando. Os novos esportes faturam em visibilidade e verbas olímpicas. As modalidades demasiadamente ligadas ao lazer, caso do surfe e do skate, acabam sendo legitimadas. E atraem um público que talvez já não se interesse por natação, atletismo ou ginástica. Até que venham os jogos eletrônicos, porque virão, sim (há referência a eles na Carta Olímpica).
Soará SURREAL, como diria Guillaume Apollinaire, o patrono deste blog, que aqui se encerra – mas quem não anda para a frente morre. E vale sempre lembrar de um lindo raciocínio de Scott Fitzgerald, que combina com tudo, inclusive com o esporte: “A vida é um processo de demolição. Existem golpes que vêm de dentro, que só se sentem quando é demasiado tarde para fazer seja o que for, e é quando definitivamente em certa medida nunca mais seremos os mesmos. Mostre-me um herói e eu escreverei uma tragédia”. Talvez seja ainda mais adequado, depois dessas duas semanas, lembrar a singeleza modesta de um telegrama que o francês Pierre Coquelin de Lisle, da França, vencedor da prova de carabina deitada de 50 metros em 1924, enviou para a mãe: “Sou campeão olímpico. Recorde mundial batido. Volto na quinta-feira”. Até 14 de julho de 2028 em Los Angeles, uma sexta-feira, inauguração da olimpíada de número 34.