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Startup americana desenvolve capacetes capazes de ‘ler’ mentes

Para especialistas, a tecnologia portátil pode revolucionar a neurociência

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h33 - Publicado em 25 jun 2021, 06h00

O aforismo grego “Conhece-te a ti mesmo”, cravado na fachada do Templo de Apolo, em Delfos, na Grécia Antiga, muitas vezes atribuído aos filósofos Sócrates e Platão, foi a inspiração para a mais nova empreitada no ramo da neurociência. Com o objetivo de compreender o funcionamento do cérebro, o órgão que melhor nos define, a startup californiana Kernel lançou dois capacetes que prometem decifrar os labirintos da mente. Os equipamentos não captam literalmente o que alguém está pensando — uma cor, um nome, uma frase, por exemplo —, mas detectam conceitos gerais, como nível de concentração, excitação ou cansaço. A leitura dos dados pode ser usada para estudar o envelhecimento do cérebro e possíveis tratamentos de doenças e distúrbios mentais, como o Alzheimer. Segundo os cientistas da Kernel, os capacetes buscam, em suma, entender o comportamento e as fraquezas humanas por meio da atividade dos neurônios.

O projeto nasceu de um drama vivido pelo americano Bryan Johnson, acometido por uma depressão profunda e pensamentos suicidas, anos atrás. Ao buscar ajuda dos mais diversos especialistas, ele notou que os diagnósticos sobre saúde mental ainda carecem de técnicas mais precisas. Recuperado, não tirou o assunto da cabeça e decidiu fundar a Kernel, em 2016. No início, seu objetivo era mais ousado: desenvolver pequenos chips para implantes cirúrgicos que fossem capazes de enviar informações de humanos a computadores e vice-versa — é mais ou menos o que Elon Musk busca, ainda longe do êxito, em uma de suas empresas, a Neuralink. Diante das dificuldades, a Kernel preferiu adotar o método não invasivo. Em entrevista à agência Bloomberg, Johnson diz ter investido 110 milhões de dólares, metade de seu próprio bolso, no desenvolvimento dos capacetes.

FICÇÃO - Dr. Brown, em De Volta para o Futuro: a máquina não funcionou -
FICÇÃO - Dr. Brown, em De Volta para o Futuro: a máquina não funcionou – (Universal/Getty Images)

O sonho de desvendar a mente é antigo e já foi retratado em filmes de ficção científica, como De Volta para o Futuro (1985). No clássico de Steven Spielberg, o Dr. Emmett Brown (Chris­topher Lloyd) inventa uma máquina do tempo, na verdade um automóvel que passeia pelo passado e pelo futuro, mas falha em sua tentativa de criar um capacete para ler pensamentos. A Kernel encontrou o caminho nas técnicas de eletroencefalografia (EEG) e magnetoencefalografia (MEG). O capacete Flow detecta padrões ligados à resolução de problemas e controle emocional por meio de mudanças nos níveis de oxigenação do sangue. Já o modelo Flux mede a atividade eletromagnética com sensores, em busca de sinais de excitação, acionamento da memória e aprendizagem.

O conceito de ler mentes pode soar um tanto perverso, pois poderia ser usado para fins duvidosos por governos e até empresas. A Kernel, porém, ressalta a busca pelo autoconhecimento. O objetivo, ainda pouco factível, é que até 2030 os capacetes custem o equivalente a um smartphone e funcionem como uma espécie de coach cerebral. Uma simulação mostra o CEO Johnson recebendo avisos do capacete como “distrações detectadas, experimente desligar o celular” ou “engajamento cerebral baixo, talvez seja hora de mudar de atividade ou descansar”.

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arte Capacete

A portabilidade é o fator que mais entusiasma os pesquisadores, pois possibilitaria a realização de estudos em tempo real e em circunstâncias mais dinâmicas, fora do ambiente hospitalar. “Há situações de comportamento emocional difíceis de reproduzir em laboratório, como a fobia de viajar de avião”, aponta Leandro Valiengo, psiquiatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O futuro chegou e, por certo, a humanidade está mais próxima de seguir as lições dos gregos.

Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744

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