Quantidade de plástico nos oceanos vai quadruplicar até 2050, diz estudo
É necessário agir agora para evitar uma catástrofe irreversível
Em meados de 2015, o mundo se comoveu com um vídeo gravado na Costa Rica que mostrava o sofrimento de uma tartaruga marinha enquanto um biólogo usava alicates de metal para extrair de seu nariz um canudinho de plástico. As imagens viralizaram graças à firme disposição dos ativistas ambientais, que alertaram sobre o risco do uso excessivo do produto e do descarte inadequado nos oceanos. A justa indignação estimulou o surgimento de um movimento global de proteção da vida nos oceanos. Algumas das maiores redes de alimentos e bebidas do planeta, como McDonald’s, Burger King e Starbucks, deram os primeiros passos e abandonaram as versões plásticas, que passaram a ser substituídas por alternativas feitas de papel. Nos anos seguintes, conglomerados empresariais se comprometeram a reduzir o uso do material nas atividades industriais e governos criaram leis que restringiram a sua adoção. Era de supor, portanto, que os mares estivessem irremediavelmente no caminho da salvação. A realidade, porém, mostrou um cenário bem diferente.
Apesar das boas intenções, as medidas tiveram pouco efeito prático. Um novo relatório da organização WWF, centrada na conservação e recuperação ambiental, mostra que a situação é dramática — e pode piorar. A partir da análise de 2 590 estudos, o documento adverte que até o fim do século uma área marítima duas vezes e meia o tamanho da Groenlândia terá excedido os limites ecologicamente perigosos de concentração de microplásticos. O cálculo é baseado na projeção de que a produção de plástico dobrará até 2040 e, com isso, o volume de resíduos jogados no mar terá quadruplicado até 2050. Os efeitos já são sentidos: 2 144 espécies encontraram resíduos plásticos em seu hábitat e 88% dos animais marinhos são impactados negativamente pelo lixo jogado no oceano. A conclusão: o plástico continua onipresente e, se não for contido, provocará estragos ainda maiores no planeta.
“Eliminar a contaminação plástica do oceanos é muito complicado”, diz Heike Vesper, diretora do Programa Marinho da WWF Alemanha. “O plástico se degrada constantemente e, portanto, permanece nos mares por anos a fio.” A situação é dramática, mas nem tudo está perdido. Não há muito que fazer a respeito da degradação iniciada no passado, mas é possível criar mecanismos no presente que protejam o meio ambiente no futuro. Segundo especialistas, uma medida decisiva seria reduzir a zero a produção de plástico virgem a partir de combustíveis fósseis. O Brasil, contudo, parece ir na direção contrária. Um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) aponta que, em 2020, o país concedeu 124 bilhões de reais, ou 2% do PIB, em subsídios aos combustíveis fósseis, 25% a mais do que em 2019.
Ninguém duvida da relevância do plástico na sociedade moderna — e seu uso hospitalar, durante a pandemia, tem se mostrado vital —, mas ele só poderá continuar a ser usado em larga escala se os efeitos deletérios não ameaçarem o ambiente. Um caminho possível é investir na produção de alternativas, como o bioplástico feito a partir de fontes renováveis de biomassa, mercado em que o Brasil tem enorme potencial. Iniciativas como a coleta, reciclagem e reintrodução de embalagens na cadeia produtiva também são louváveis. Tudo isso depende da boa vontade de governos, empresas e dos próprios cidadãos.
A pressão pela mudança existe. Dois milhões de pessoas assinaram uma petição da WWF defendendo a adoção de um tratado global sobre o tema, e o documento recebeu apoio de 100 empresas multinacionais e 700 organizações da sociedade civil. A Assembleia da ONU para o Meio Ambiente se reuniu nesta semana em Nairóbi, no Quênia, para debater um acordo sobre a poluição plástica que pode definir os rumos da política ambiental. O futuro da vida nos oceanos depende de um compromisso imediato. As tartarugas agradecem — e nós, bípedes supostamente inteligentes, também.
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779