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Porque as carreiras científicas não são acolhedoras com as mães

Iniciativas buscam conciliar a pesquisa e a maternidade, mas o debate ainda precisa ser ampliado

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 11 Maio 2024, 09h00

O percurso de Bárbara Amaral era um típico exemplo de uma carreira acadêmica bem-sucedida. Graduou-se em física em uma renomada universidade e seguiu rumo ao mestrado e doutorado em matemática, atravessando fronteiras acadêmicas em instituições internacionais. Sua jornada culminou com a posição de professora no prestigiado Instituto de Física da USP. Até que, após sete anos de espera, uma dolorosa perda gestacional e duas tentativas de fertilização in vitro, ela viu o equilíbrio entre o ensino e a pesquisa ser alterado pela chegada da filha Luíza. Mesmo estando preparada para essa nova fase e determinada a manter seu compromisso com a carreira construída com tanto esforço ao longo dos anos, Bárbara encontrou obstáculos no sistema científico ao qual pertence, que se mostrou menos receptivo ao novo membro da família.

Desafios na Carreira Científica Feminina

No mundo científico, assim como no ambiente corporativo, o gênero emerge como um dos principais obstáculos para a progressão profissional. A representação feminina é minoritária em quase todas as áreas acadêmicas, alcançando equidade ou superioridade em apenas 34% dos 80 segmentos classificados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Uma análise dos laureados com o Prêmio Nobel, uma honraria concedida a indivíduos e organizações por seus avanços em campos como física, química, medicina, literatura, economia e promoção da paz, ao longo dos últimos 122 anos, evidencia o cenário: 901 homens, 64 mulheres e 27 organizações foram agraciados.

Os fatores que ajudam a entender esse fenômeno são diversos, incluindo desde determinantes culturais até questões relacionadas ao machismo, assédio e, provavelmente o mais importante, a maternidade. A parentalidade traz consigo grandes e diferentes responsabilidades entre os gêneros e, sabidamente, impactam mais as mulheres do que os homens. Incluindo as mulheres cientistas. No final do ano passado, o CNPq citou a gestação de uma pesquisadora para rejeitá-la em um processo seletivo para bolsa. No caso de Bárbara, a imediata chegada de Luíza resultou em um ano de publicações nulas em periódicos especializados, enquanto o restante de seu grupo de trabalho permaneceu produtivo. “Apesar da produção do grupo ser diretamente relacionada ao meu trabalho, isso não é levado em consideração pelas agências de fomento. O único número que conta é esse: zero”, lamenta.

Impacto da Maternidade na Produtividade Científica

 

Se o impacto da sobrecarga materna sobre as mulheres ainda não ficou evidente, uma pesquisa publicada na revista Frontiers in Psychology, em 2021, caracteriza o problema. O levantamento mostrou que em 2020 apenas 47% das cientistas que são mães publicaram artigos acadêmicos, enquanto entre os pesquisadores homens com filhos, 76% conseguiram submeter seus textos conforme o planejado. O dado é importante porque a quantidade de publicações costuma ser requisito para pesquisadores avançarem nos postos de trabalho.  Estamos falando de um teto de vidro que impede que mulheres cientistas que optam pela maternidade subam os degraus da escada acadêmica. “A carreira na academia preconiza uma linearidade e ininterrupção da produtividade que se torna muito complexa para as mães”, afirma Fernanda Staniscuaski, fundadora do Parent In Science (PiS), movimento de discussão da parentalidade dentro do universo da ciência do Brasil.

 

Soluções Emergentes e Apoio Institucional

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“Tenho muito a contribuir com a ciência e a sociedade. A maternidade só potencializou minhas habilidades, mas é preciso apoio para que continuemos trabalhando”, defende Bárbara. Desde 2011, a Capes, por meio da portaria nº 248, estende em 120 dias a validade das bolsas de estudo para estudantes que se tornam mães durante o curso, tanto no Brasil quanto no exterior. Agora, o benefício pode ser transformado em Lei, e já foi aprovado em votação pelos deputados, aguardando a opinião do Senado. Em 2017, a Lei 13.536 garantiu 120 dias de afastamento por maternidade ou adoção para alunas bolsistas. Como parte de uma mobilização do PiS em 2021, mulheres cientistas começaram a registrar seu período de licença-maternidade na plataforma Lattes, que armazena os currículos dos pesquisadores do país, impedindo prejuízos acadêmicos devido à interrupção das produções e evitando pressões para continuar trabalhando durante a licença.

Agora, novo apoio. Para incentivar a carreira das cientistas mães, a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), em parceria com o Instituto Serrapilheira e o PiS, lançou, pela primeira vez na história,  um edital de R$ 2,3 milhões para apoiar o retorno das pesquisadoras às atividades científicas após a maternidade. É o maior edital já lançado para mães cientistas no país, com auxílios de até R$ 120 mil para pesquisadoras vinculadas a alguma instituição de pesquisa do estado do Rio de Janeiro e que tenham estado em licença-maternidade em algum período dos últimos 12 anos. A expectativa é que a iniciativa inspire outros projetos semelhantes e contribua para um ambiente mais plural, em que as mulheres não se vejam forçadas a escolher entre a carreira e a maternidade. 

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