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Por que esquecemos? Pesquisadores apontam os benefícios evolutivos desse fenômeno

Fatos esquecidos podem ser lembrados, eventualmente

Por Sven Vanneste* e Elva Arulchelvan**, para o The Conversation
Atualizado em 11 nov 2024, 10h20 - Publicado em 11 nov 2024, 10h09

O esquecimento faz parte de nossa vida cotidiana. Você pode entrar em um cômodo e se dar conta de que esqueceu o motivo pelo qual foi parar lá. Ou, ainda, ouvir alguém dizer “oi” para você na rua e não conseguir lembrar o nome da pessoa.

Por que esquecemos as coisas? É simplesmente um sinal de comprometimento da memória ou há benefícios nisso?

Uma das primeiras descobertas nessa área destacava que esquecimentos podem ocorrer simplesmente porque as memórias de uma pessoa comum se desvanecem. Isso vem do psicólogo alemão do século XIX Hermann Ebbinghaus (1850-1909), cuja “curva de esquecimento” mostrou como a maioria das pessoas apaga os detalhes de novas informações muito rapidamente, com o passar dos dias. Mais recentemente, o fenômeno foi replicado por neurocientistas.

No entanto, esquecer também pode servir a propósitos funcionais. Nossos cérebros são bombardeados com informações constantemente. Se nos lembrássemos de cada detalhe, seria cada vez mais difícil reter as informações importantes.

Uma das maneiras de evitar isso é não prestar bastante atenção, em primeiro lugar. O ganhador do prêmio Nobel, Eric Kandel, e uma série de pesquisas subsequentes sugerem que as memórias são formadas quando as conexões (sinapses) entre as células do cérebro (os neurônios) são fortalecidas.

Prestar atenção em algo pode fortalecer essas conexões e sustentar a memória. Esse mesmo mecanismo nos permite esquecer todos os detalhes irrelevantes que encontramos a cada dia. Então, embora as pessoas mostrem sinais crescentes de distração à medida que envelhecem – e distúrbios relacionados à memória, como a doença de Alzheimer, estejam associados a deficiências de atenção -, todos nós precisamos ser capazes de esquecer todos os detalhes sem importância para criar memórias.

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Lidando com novas informações

Às vezes, a recordação de algo também pode fazer com que haja mudança para lidar com novas informações. Suponha que seu trajeto diário envolva dirigir a mesma rota todos os dias. Você, provavelmente, tem uma forte lembrança dessa rota, com as conexões cerebrais subjacentes fortalecidas a cada viagem.

Mas eis que, em uma segunda-feira, um de seus caminhos habituais esteja fechado e exista uma nova rota para as próximas três semanas. Sua memória para a jornada precisa ser flexível o suficiente para incorporar essas novas informações. Uma maneira pela qual o cérebro faz isso é enfraquecendo algumas das conexões de lembranças enquanto fortalece novas conexões adicionais para fixar a nova rota.

A condução de um carro pode ser influenciada por padrões visuais interpretados por nosso cérebro recentemente
A condução de um carro pode ser influenciada por padrões visuais interpretados por nosso cérebro recentemente (Thinkstock/VEJA)

Claramente, a incapacidade de atualizar nossas memórias teria consequências negativas significativas. Considere o TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático), em que a impossibilidade de esquecer uma memória traumatizante significa que um indivíduo será perpetuamente desencadeado por lembretes em sua vida.

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Do ponto de vista evolutivo, o esquecimento de memórias antigas em resposta a novas informações é, sem dúvida, benéfico. Nossos ancestrais caçadores-coletores podem ter visitado repetidamente um poço de água seguro para, um dia, descobrir um assentamento rival ou um urso com filhotes recém-nascidos no local. Seus cérebros tinham que ser capazes de atualizar a memória para rotular esse local como não mais seguro. Não fazer isso seria uma ameaça à sobrevivência.

Reativando memórias

Às vezes, o esquecimento pode não ser devido à perda de memória, mas a alterações em nossa capacidade de acessá-las. Pesquisas com roedores demonstraram como fatos esquecidos podem ser lembrados (ou reativados) por meio do apoio às conexões sinápticas mencionadas acima.

Os roedores foram ensinados a associar algo neutro (como o toque de uma campainha) a algo desagradável (como um choque leve na pata). Após várias repetições, eles formaram uma “memória de medo” na qual ouvir a campainha os fazia reagir como se esperassem um choque. Os pesquisadores conseguiram isolar as conexões neuronais que foram ativadas ao parear a campainha e o choque, na parte do cérebro conhecida como amígdala.

Em seguida, questionaram se a ativação artificial desses neurônios faria com que os roedores agissem como se esperassem um choque na pata, mesmo que não houvesse campainha e nem choque. Eles fizeram isso usando uma técnica chamada estimulação optogenética, que envolve o uso de luz e engenharia genética (para, em resumo, monitorar os circuitos neurais estabelecer relação entre atividade cerebral e o comportamento), e mostraram que era, de fato, possível ativar (e subsequentemente inativar) tais memórias.

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Uma maneira pela qual isso pode ser relevante para os humanos é por meio de um tipo de esquecimento transitório que pode não ser devido à perda de memória. Retornemos ao exemplo anterior, em que você vê alguém na rua e não consegue lembrar o nome dela. Talvez você acredite que sabe a primeira letra, e você vai entender o nome em um momento. Isso é conhecido como fenômeno da ponta da língua.

Quando isso foi originalmente estudado pelos psicólogos americanos Roger Brown (1925-1997) e David McNeill, na década de 1960, eles relataram que a capacidade das pessoas de identificar aspectos da palavra faltante era melhor do que o acaso. Isso sugeria que a informação não havia sido totalmente esquecida.

“Vou me lembrar” (Kyttan/The Conversation/Reprodução)

Uma teoria é que o fenômeno ocorre como resultado de conexões enfraquecidas na memória entre as palavras e seus significados, refletindo a dificuldade em lembrar as informações desejadas.

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Entretanto, outra possibilidade é que possa servir como um sinal para o indivíduo de que a informação não foi esquecida, apenas está inacessível no momento.

Pode, assim, explicar porque isso ocorre com mais frequência à medida que as pessoas envelhecem e se tornam mais informadas, o que significa que seus cérebros precisam classificar mais informações para lembrar de algo. O fenômeno da ponta da língua pode ser o meio de o cérebro de deixá-los saber que a informação desejada não foi esquecida, e que a perseverança pode levar a uma lembrança bem-sucedida.

Em suma, podemos esquecer informações por uma série de razões. Porque não estávamos prestando atenção ou porque as informações se deterioraram com o tempo. Podemos esquecer para atualizar a memória. E, às vezes, as informações esquecidas não são perdidas permanentemente, mas, sim, inacessíveis temporariamente. Todas essas formas de esquecimento ajudam nosso cérebro a funcionar eficientemente e contribuem para a nossa sobrevivência por muitas gerações.

Certamente, a intenção não é minimizar os resultados negativos causados a pessoas que se tornam muito esquecidas (por exemplo, pelo mal de Alzheimer). No entanto, o esquecimento tem suas vantagens evolutivas. Esperamos, apenas, que você tenha achado este artigo suficientemente interessante para não esquecer seu conteúdo tão cedo.

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*Sven Vanneste, Professor de Neurociência Clínica, Trinity College Dublin

**Elva Arulchelvan, Palestrante de psicologia e pesquisadora de doutorado em psicologia e neurociência, Trinity College Dublin

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