Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Por que a expressão ‘a preço de banana’ periga sair de cena

A mais querida das frutas sofre com o clima e a eclosão de um fungo que pode vir a dizimar a espécie

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 16h55 - Publicado em 12 Maio 2024, 08h00

Talvez seja a elegância do design, a curva inigualável inventada pela natureza. Pode ser o dourado da cor. Quem sabe o sabor. Não há fruta mais popular e querida do que a banana — são 100 bilhões de unidades devoradas no mundo a cada ano, em 125 países. O incontestável charme a fez símbolo de muitas ideias. Nos séculos XIX e XX, espalhada pelas Américas por meio de empresas dos Estados Unidos, que enriqueciam aos baldes com o produto, deu origem a uma expressão pejorativa — “república de bananas” —, criada como referência às nações exploradas, economicamente dependentes e instáveis, afeitas a ridículos golpes de Estado. A alcunha perdeu sentido, as republiquetas parecem desaparecer — ainda que muita gente, fora do Brasil, tenha apelado ao codinome quando a corja de 8 de janeiro de 2023 depredou a Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ah, o.k., o presidente do Equador é herdeiro de uma riquíssima família produtora, da marca “Bonita Bananas”, mas convém considerar mera coincidência. Tem ainda a Venezuela de Nicolás Maduro, mas coitada da planta herbácea.

A fruta serviu também, desde tempos imemoriais, como termômetro financeiro. “A preço de banana”, a etiqueta das etiquetas, é sinônimo de algo pelo qual se paga muito pouco, dada a fartura e a facilidade de plantio. Era assim até outro dia mesmo. Contudo, tal qual o desuso da alcunha atrelada à política da bagunça, a tiranetes de araque, chegou a hora de já não considerá-la barata para o bolso. A estatística é evidente. Em 1994, o preço médio anual era de 0,43 dólar por quilo. Em 2024, tocou em 1,65 dólar (veja no gráfico). No Brasil, apenas em 2024, a dúzia da banana-prata subiu pelo menos 18% e pode ser encontrada a mais de 13 reais. Deu-se o incômodo salto em decorrência das mudanças climáticas que devoram plantações, ondas sucessivas de calor e frio extremados, inundações e ciclones — tudo aquilo, enfim, que assusta a humanidade e pede reação imediata.

arte banana

Há, porém, um fantasma redivivo, que parecia sumido e voltou com estardalhaço agora: um fungo, o Fusarium oxysporum f. sp. cubense, responsável pelo chamado mal-do-­panamá, devastador. Nos anos 1800, ela dizimou um tipo de banana, a “gros michel”, ou “big mike”, que sumiria do mapa, de modo inapelável. Em seu lugar, os agricultores fizeram vicejar uma outra cultivar, a cavendish (a nanica ou d’água no Brasil), globalmente dominante hoje, que representa 99% das exportações. O risco de estragos é imenso, espalhado por todos os continentes. Fala-se, jocosamente, em “bananapocalipse”. Mais de vinte países estão severamente afetados, e não se excluem danos em território brasileiro. “Como a variedade anterior à atual foi completamente afetada, mudando o curso da história, não é impossível que ocorra fenômeno semelhante”, diz o cientista colombiano Fernando Garcia-Bastidas.

Uma solução possível seria o desenvolvimento, por meio da ciência, de um outro tipo, avesso ao fungo. É caminho improvável. Um problema é a dificuldade para consumo. A banana-princesa, desenvolvida pela equipe da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, é muito elogiada, mas não chega à doçura e adequação da campeã do paladar, a cavendish. Uma alternativa de laboratório vem sendo buscada com ansiedade. “Uma saída química pode despontar em breve”, diz Fernando Haddad, homônimo do ministro da Fazenda, pesquisador da Embrapa. Trata-se, grosso modo, de encontrar respostas a partir do cruzamento de espécies para a obtenção de famílias mais resilientes. Estuda-se, ainda, o recurso da edição genética. “É uma corrida contra o tempo”, resume Haddad.

Continua após a publicidade

O Brasil — o país das bananas, por que não? — pode vir a salvá-las, o que seria para lá de bem-vindo. Elas movimentam por aqui 13,8 bilhões de reais ao ano e geram mais de 500 000 empregos diretos. Perdê-las, sem algo para substituí-las, produziria o pior dos mundos. Haveria o prejuízo econômico, sem dúvida, mas também o de um período da civilização e da diplomacia. O derradeiro capítulo está distante, e convém não promover o desespero. Mas é bom prestar atenção.

Uma metáfora possível da tragédia do fim das bananas pode ser encontrada em Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. No romance, ele descreve a chegada a Macondo da BananaCompany — referência indireta à United Fruit americana — como “um evento de proporções bíblicas e, em seguida, como uma maldição”. O veneno mortal do Fusarium oxysporum, alheio a interesses poderosos, é verdade, pode servir a esse mesmo destino. Tomara que não, e que possamos cantarolar por aí: “Yes, nós temos bananas / bananas pra dar e vender / banana, menina, tem vitamina / banana engorda e faz crescer”, como na marchinha de Carnaval dos anos 1930. Ainda que não mais a preço de banana.

Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.