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Onda contra o plástico

A União Europeia anuncia que banirá uma série de itens fabricados com essa matéria-prima. A medida beneficiará não só a natureza — o organismo humano também

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h33 - Publicado em 2 nov 2018, 07h00

Agora é para valer. Uma decisão anunciada pela União Europeia (UE) no dia 25 deve pôr os 28 Estados-mem­bros do bloco na liderança do combate global à produção de um tipo de lixo que contamina assombrosamente os oceanos e colabora para o agravamento do aquecimento global — aquele composto de itens de matéria plástica. Até 2021, a UE quer banir os principais produtos não reutilizáveis feitos de plástico, entre eles canudos, copos e talheres. O material responde por 80% do lixo encontrado nas praias. As nações do bloco gastam 259 milhões de euros por ano em razão da poluição das praias. Interromper a produção de canudinhos e outros itens descartáveis de plástico reduziria em 2,63 milhões de toneladas o lançamento na atmosfera de gases que provocam o efeito estufa. Os detalhes das medidas a ser tomadas para deter o problema devem ser delineados pelo Conselho Europeu até 16 de dezembro próximo.

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Desde a década de 60, a produção global de matéria plástica foi multiplicada vinte vezes. Até 2036, a projeção é que o volume atual dobrará. Hoje, estima-se que três quartos do lixo marinho sejam compostos de plástico. Em 2015, entre 4,8 milhões e 12,7 milhões de toneladas dessa matéria — o equivalente a cerca de 5% do montante gerado no mundo — foram depositados nos oceanos. Um levantamento feito pela consultoria McKinsey para a ONG americana Ocean Conservancy mostrou que há mais de 150 milhões de toneladas da substância flutuando pelos mares. Desse total, 60% são provenientes de lixo não coletado, 20% vêm de descartes que vazam no ecossistema e outros 20% são originados em fontes instaladas no próprio oceano (como bases de pesca, por exemplo). Para piorar, a maior parte dos resíduos é levada pelas águas a pontos de difícil acesso, o que complica a tarefa de detectá-los. Neste ano, materiais descartáveis foram encontrados em profundidades de até 6 000 metros.

Além de dados como esses, que falam por si, as campanhas ambientalistas que defendem a eliminação de canudos, sacolas de plástico e afins têm como suporte a sensibilização do público. Deu fôlego aos esforços conservacionistas um vídeo de 2015 que viralizou na internet neste ano e já soma 33 milhões de visualizações. Gravadas na Costa Rica por biólogos, as imagens mostram uma tartaruga, resgatada por cientistas, com um canudo enfiado em uma das narinas. Demorou dez minutos para que o tubo, de 10 centímetros de comprimento, fosse retirado para salvar a vida do animal — que agonizava. A audiência mundial se sensibilizou com a cena.

O episódio, crudelíssimo, está longe de representar uma exceção. Infelizmente, tornou-se rotineiro que espécies marinhas sejam vítimas de objetos plásticos descartados pelos consumidores. E não só elas. No estudo Relatório Planeta Vivo, divulgado na terça-fei­ra 30 pela ONG WWF, destaca-se que 90% das aves têm fragmentos de plástico no estômago, ingeridos possivelmente junto com peixes que capturam. Em 1960, esse índice era de apenas 5%.

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“Canudos são inúteis. É possível beber diretamente do copo. No vídeo que fizemos, mostramos onde parte desse lixo vai parar”, declarou a bióloga Christine Figgener, pesquisadora da Universidade do Texas (EUA) que estava na gravação que retratou o sofrimento da tartaruga encontrada na Costa Rica. O cenário se agrava quando se constata que um singelo canudinho de plástico leva ao menos 200 anos para se decompor. Ou seja, permanece dois séculos boiando nas águas. Tempo suficiente para afetar muitas espécies.

Naturalmente, não se discute a importância do plástico, obtido a partir de resinas derivadas do petróleo. Desde 1907, quando o químico belga Leo Baekeland inventou uma forma barata e rápida de fabricá-lo, essa matéria-pri­ma permitiu evoluções essenciais para a melhora da qualidade de vida — de cápsulas de remédio a roupas. O que os ambientalistas condenam é o desperdício, pois uma enormidade de produtos descartáveis é facilmente substituível. No caso dos canudinhos, há variações fabricadas com bambu, inox ou mesmo massa de macarrão. Os canudos, especificamente, só começaram a ser feitos com plástico em meados do século XX — e, nos estabelecimentos comerciais, viraram símbolo de classe e asseio. Antes, eram principalmente produzidos com papel ou joio. Vale lembrar, porém, que já existiram canudos feitos com uma variedade imensa de materiais desde que o primeiro produto do tipo foi criado, há 5 000 anos, na Suméria — à base de ouro. Ele era então utilizado por nobres para beber cerveja: com o canudo, evitava-se ingerir resquícios de fermentação acumulados no fundo do copo.

A recente onda sustentável que começa a se espalhar por toda parte deve forçar os adeptos de canudos e sacolas de plástico a optar por modelos feitos com outros materiais. Grandes redes de alimentação, como a de cafés Star­bucks e a de fast-food McDonald’s, já estão aderindo ao movimento, de caráter global. A Starbucks, por exemplo, promete não mais oferecer canudinhos de matéria plástica em todas as suas lojas mundo afora até o ano de 2020. Já o McDonald’s se comprometeu a usar apenas embalagens de fontes sustentáveis, renováveis e recicláveis, incluindo os canudos. As decisões das empresas, no entanto, vão além da questão ambiental. Elas também procuram agradar à clientela. De acordo com a consultoria Pew Research, a geração dos millennials, que hoje têm entre 22 e 37 anos, é mais ecologicamente consciente em relação aos produtos que compra. Entre os que se encontram nessa faixa etária, 61% acreditam que as escolhas de consumo individual podem ter impacto positivo no planeta.

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PASSADO – Em meados do século XX, os canudos eram símbolo de classe e asseio (//Divulgação)

A adequação ao modo de vida sustentável já é sentida pela indústria nos Estados Unidos. No caso dos canudinhos de plástico, por exemplo, há uma redução em torno de 2% ante o total de vendas em relação a 2017. Atualmente, 56% dos canudos são feitos com esse material. Isso não quer dizer, contudo, que tenha diminuído a presença desse item, de plástico ou não, no cotidiano. Pelo contrário: as vendas do produto no território americano, que totalizam 1,7 milhão de dólares por semana, cresceram 3,4% de 2017 a 2018. O que se espera é que se mude o material com que se fazem os canudinhos. Do ano passado para cá, o consumo de canudos de papel já aumentou, em número de unidades, 6% nos Estados Unidos.

“Adotamos aqui a mais ambiciosa legislação contra plásticos descartáveis. Pavimentaremos o caminho para uma diretriz próspera”, disse a economista belga Frédérique Ries, parlamentar responsável pela redação da nova proposta europeia para a contenção do uso de tais produtos, ao divulgar a nova lei do continente. A legislação da UE é ousada porque, à diferença de algumas adotadas por países de outras regiões, não se restringe a um ou outro item. O projeto pretende eliminar os principais artigos não reutilizáveis fabricados com matéria plástica, incluindo, por exemplo, embalagens de bebida e cotonetes.

A expectativa é que o modelo europeu sirva de motivação para que outras nações adiram ao movimento. No Brasil, há um projeto de lei, de autoria da senadora Rose de Freitas (Pode-ES), que visa à utilização de material biodegradável na fabricação de produtos descartáveis. A ONU anunciou que deve propor uma iniciativa similar à da UE a todos os países-membros da entidade. São práticas que beneficiariam não só o ambiente, mas também o corpo humano. Um estudo da Organização Mundial da Saúde já mostrou que há resquícios de plástico até na água mineral que consumimos. Resultado: uma pesquisa divulgada em outubro pela Universidade Médica de Viena, na Áustria, revelou que, assim como no caso das aves, o plástico já é encontrado também no estômago dos humanos.

Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2018, edição nº 2607

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