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O que sedimentos marinhos revelam sobre o clima da Amazônia na Era Glacial?

'Arquivos naturais do passado' dão pistas sobre o clima na bacia Amazônica há 2 milhões de anos

Por Cleverson Guizan Silva; Allan Sandes e Paul Baker, Duke University para The Conversation
17 jul 2025, 14h21

A reconstrução do clima da Bacia Amazônica ao longo dos últimos dois milhões de anos, a partir da análise de sedimentos marinhos coletados a leste da foz do rio Amazonas, em águas profundas, representa a mais extensa série de dados já obtida sobre o clima da Amazônia com base em registros sedimentares marinhos.

Esses sedimentos funcionam como arquivos naturais do passado. Por meio de indicadores geoquímicos, conseguimos identificar como a chuva variou na região ao longo do tempo.

Quebra de paradigmas

Os resultados mostram que, ao contrário do que se pensava, durante os períodos glaciais — fases de clima global mais frio — a Amazônia era mais úmida, com aumento da precipitação. Já nos períodos interglaciais, marcados por temperaturas mais elevadas, houve redução nas chuvas.

Essa tendência contraria a ideia tradicional de uma Amazônia mais seca durante os períodos glaciais. No entanto, ela está em linha com projeções de modelos climáticos globais que indicam um futuro mais quente e seco para a região.

Embora os mecanismos que causaram essas mudanças no passado sejam diferentes dos que estão em ação atualmente — como, por exemplo, as forçantes orbitais, que são variações na órbita da Terra em torno do Sol e que regulam o clima em escalas de dezenas a centenas de milhares de anos —, o estudo evidencia uma relação consistente entre temperatura global e dinâmica climática da Amazônia.

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Durante o período Quaternário — que começou há cerca de 2,6 milhões de anos — flutuações entre climas úmidos e secos provocaram a expansão e contração da floresta, afetando diretamente sua biodiversidade. No entanto, a maior parte desse período permanece pouco conhecida devido à escassez de registros geológicos longos da bacia Amazônica.

Expedição no navio Knorr

Os sedimentos foram coletados durante a Expedição KNR197-4, realizada em fevereiro de 2010, a bordo do navio Knorr, no talude continental brasileiro, mais precisamente na Bacia Pará-Maranhão, ao sul do Leque Submarino Amazônico, e foram analisados nos anos subsequentes. O projeto foi desenvolvido a partir de uma colaboração internacional entre a Universidade de Duke e a Universidade Federal Fluminense.

Em nossos estudos, analisamos os teores de titânio/cálcio (Ti/Ca) e ferro/potássio (Fe/K) nos sedimentos marinhos. Essas razões geoquímicas funcionam como proxies, ou indicadores indiretos da atividade continental, especialmente do aumento de precipitação e escoamento fluvial.

Quando chove mais na bacia, os rios transportam mais material continental para o oceano. O titânio, por exemplo, é um elemento que vem dos solos, enquanto o cálcio está mais associado a organismos marinhos. Um aumento da razão Ti/Ca indica, portanto, maior aporte continental — ou seja, mais chuva e mais erosão.

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Nossas análises revelaram um aumento progressivo dessas razões ao longo do tempo, atingindo os valores médios mais altos nos últimos 400 mil anos. Em escalas orbitais — ciclos de cerca de 100 mil, 41 mil e 23 mil anos causados pelas variações na órbita e inclinação da Terra —, os dados mostram que os períodos glaciais foram marcados por maior precipitação na Amazônia. Esse padrão está associado a eventos climáticos frios no Atlântico Norte, como os eventos de Heinrich, quando grandes blocos de gelo se desprendem da calota polar e afetam as correntes oceânicas e a circulação atmosférica global.

Para reconstruir essas variações com alta precisão, utilizamos o testemunho sedimentar marinho CDH-79, com 32 metros de recuperação. Para complementar os estudos, analisamos também os foraminíferos marinhos cujas carapaças armazenam informações químicas sobre a temperatura e salinidade da água do mar.

A combinação desses dados nos permite reconstituir, com alta resolução, tanto o clima continental quanto o oceânico, e entender melhor as conexões entre o Atlântico Tropical e a bacia Amazônica ao longo de quase dois milhões de anos.

A maior amplitude dos eventos frios após 650 mil anos — já no final do Pleistoceno — está associada a uma resposta proporcionalmente mais úmida da Amazônia, como indicam os dados.

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Entender o passado para prever o futuro

Nossos estudos mostram que a Amazônia, que abriga mais da metade das espécies de plantas terrestres do planeta, sempre foi profundamente moldada pelas mudanças climáticas do passado. A floresta Amazônica e sua biodiversidade evoluíram em sintonia com as variações climáticas e com os processos geológicos e atmosféricos. Entender esse passado é essencial para prever os impactos das mudanças em curso no presente e no futuro.

Inédito, este estudo foi realizado a partir de uma parceria entre a Universidade Federal Fluminense, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade de Duke, EUA, e contou com financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).


A divulgação deste artigo tem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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Cleverson Guizan Silva, Professor Titular , Universidade Federal Fluminense (UFF); Allan Sandes, Professor Adjunto dos Departamento de Geografia, da Faculdade de Formação de Professores, e do Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Paul Baker, Professor Emérito no departamento Earth and Ocean Sciences, Duke University

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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