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O que explica o voo sem escalas de um grupo de borboletas pelo Atlântico

Cientistas decifram como elas cruzaram o oceano sem parar no meio do caminho, uma aventura improvável

Por Valéria França Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 jul 2024, 15h00 - Publicado em 6 jul 2024, 08h00

É para lá de manjado que toda regra tem suas exceções, mas às vezes elas tomam contornos surpreendentes e chocam pelo inusitado. Na biologia, é sabido ser difícil que insetos sobrevoem grandes extensões marítimas sem ilhas no trajeto para dar aquela pousada. Pois um esquadrão de borboletas subverteu a lógica de forma extraordinária. Após percorrer mais de 4 000 quilômetros entre a costa africana e a Guiana Francesa, na América do Sul, um grupo da espécie Vanessa cardui conseguiu cruzar o Oceano Atlântico, sem escalas. Um feito inédito, protagonizado por criaturas aparentemente frágeis, que deram aos cientistas uma prova de sua capacidade migratória e resiliência.

Era uma proeza tão inimaginável para um inseto que compreendê-la consumiu uma década de trabalho meticuloso. A história começou durante uma expedição do biólogo evolucionista Gerald Talavera, do Instituto Botânico de Barcelona, em uma praia da Guiana Francesa. Ali, ele observou um fenômeno do qual já se tinha notícia: a presença das borboletas Vanessa cardui, que não são naturais das Américas, mas oriundas do oeste da África. A questão que atiçava a curiosidade dos cientistas é: como teriam conseguido alcançar aquelas bandas tão longínquas de casa, se vindas da América do Norte ou da África? Um fato tornava o problema ainda mais instigante: a viagem, claramente, não havia sido fruto de uma mãozinha humana. Eram elas, as borboletas, as protagonistas absolutas do périplo.

arte borboletas

O veredicto sobre a misteriosa viagem foi recém-divulgado no periódico Nature Communications, uma das mais relevantes publicações científicas do mundo. “Este foi um voo sem parada sobre o Atlântico, resultado da combinação de momentos de esforço máximo e mínimo, como se elas pairassem no ar”, explicou Talavera a VEJA. Isso porque as borboletas souberam aproveitar correntes de vento sobre o mar. Ao longo do voo, um exemplar da espécie pode atingir a velocidade de 16 quilômetros por hora. Quando sopram correntes favoráveis, porém, dá para cravar impressionantes 40 quilômetros por hora. À metade desse ritmo, a estrutura corporal do animal sugere que ele suporte quarenta horas de voo ininterrupto, sem se alimentar — um surreal espetáculo da natureza.

O grupo de borboletas encontrado na Guiana demorou um pouco mais, cerca de dois dias, em sua travessia. Agora ficou esclarecido que o belo conjunto sobreviveu justamente pelas horas de “mínimo esforço”, etapa em que o gasto energético é baixo. A planagem só foi possível graças a uma corrente de ar seco e intenso vinda do Saara, no norte da África. Sem essa carona, as Vanessa cardui não teriam chegado ao destino final. “A pesquisa ressalta a importância das chamadas rodovias aéreas, formadas por ventos capazes de conectar continentes, o que permite a dispersão de insetos através dos oceanos”, comenta o biólogo Marcelo Duarte da Silva, vice-diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e curador da maior coleção de borboletas e mariposas do Brasil.

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METAMORFOSE - Lagarta e casulo: inseto poliniza e é base da cadeia alimentar
METAMORFOSE - Lagarta e casulo: inseto poliniza e é base da cadeia alimentar (Arco Kerstin/Tomasz Klejdysz/Getty Images)

Esses animais não se destacam apenas como exímios viajantes. Eles são tão importantes na polinização das plantas quanto as abelhas e povoam a base da cadeia alimentar de seres de pequeno porte, como formigas e aves. Seu papel no ecossistema interessa diretamente à espécie humana, que utiliza a presença de borboletas como pista do bem-estar ambiental. As Vanessa cardui já eram conhecidas pela capacidade de vencer esticadas distâncias, pois todos os anos migram da Europa para a África, percorrendo mais de 3 000 quilômetros. A diferença é que esse voo é feito em boa parte sobre áreas continentais, em um caminho permeado de escalas em ilhas. “A novidade é a travessia completa pelo oceano”, enfatiza André Freitas, professor do Instituto de Biologia Animal da Unicamp.

A descoberta de Talavera evidencia o quanto a capacidade de dispersão geográfica dos insetos é subestimada. “Ela sugere que os eventos de longas migrações são mais usuais do que se pensava e desempenham uma função significativa nos ecossistemas globais”, observa Marcelo Duarte da Silva, da USP. A improvável jornada se tornou realidade por certas condições climáticas que, uma vez alteradas, poderão modificar não só a rota das borboletas, mas ainda a de gafanhotos, pulgões e pragas agrícolas. É prudente que, reconhecendo o talento dos insetos, cuidemos do planeta para os ventos também soprarem a nosso favor.

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900

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