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O novo e espetacular museu de arqueologia do Egito

O mais recente tesouro arqueológico achado no país — 59 sarcófagos de 2 500 anos — já tem destino certo

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h55 - Publicado em 16 out 2020, 06h00

Tudo estava dando errado para o Egito (para todo o mundo, aliás) em 2020, com a pandemia grassando e a indústria do turismo, motor da economia do país, paralisada. Aí veio a ótima notícia: um grupo de pesquisadores egípcios anunciou no fim de setembro a extraordinária descoberta, de uma só vez, de 59 sarcófagos de mais de 2 500 anos. O tesouro abrilhantará o que se antecipa como morada de um dos mais ricos acervos arqueológicos do mundo, o Grande Museu Egípcio (GEM), plantado bem na região das pirâmides e que, depois de anos de idas e vindas, está em fase final de construção.

A missão do Ministério de Antiguidades que chegou aos sarcófagos recém-descobertos foi iniciada em 2018 e já havia deparado com uma tumba com animais e sacerdotes mumificados. Nada que se comparasse ao que está sendo considerado um dos grandes depósitos de restos mortais egípcios jamais vistos. Os 59 sarcófagos estavam acondicionados em três câmaras funerárias de mais de 12 metros de profundidade, localizadas na região da Necrópole de Sacara, como é chamado o vasto cemitério dos moradores da cidade de Mênfis, a primeira capital do Egito Antigo, fundada pelo faraó Menés por volta de 3100 a.C. Ao redor dos túmulos ainda foram achadas 28 estatuetas do deus Seker, relevante figura nos rituais pós-morte da época. Segundo estudos preliminares, os sarcófagos pertencem a membros da elite da 26ª dinastia egípcia — entre eles um indivíduo identificado como Jahouti Umm Hoteb, um “supervisor do trono”. “Assim que as inscrições das paredes e os objetos encontrados forem interpretados, teremos um apurado retrato da sociedade e do aparato burocrático daquela dinastia”, diz Suzanne Onstine, professora de egiptologia da Universidade de Memphis (nada a ver com a xará egípcia), nos Estados Unidos.

Diante de jornalistas, fotógrafos e curiosos de celular em punho, os arqueólogos abriram os sarcófagos e exibiram, em seu interior, múmias extremamente bem preservadas, com as cores e inscrições nítidas e vibrantes. O show montado pelas autoridades para expor a descoberta está relacionado com o fato de ela ser um feito alcançado por uma equipe composta unicamente de pesquisadores egípcios, raridade no país minuciosamente explorado por europeus e americanos ao longo de séculos. “Revelar os segredos de nossos ancestrais nos traz um grande sentimento de felicidade”, comemorou o ministro de Antiguidades, Khaled al-Anany.

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SHOW EGÍPCIO - A apresentação dos sarcófagos: a primeira descoberta de peso só com pesquisadores do país – (Khaled Desouki/AFP)

O destino dos sarcófagos, o novíssimo GEM, tem inauguração prevista para meados de 2021, mais de cinco anos depois da data original. Maior museu arqueológico do mundo, o moderno prédio de concreto e vidro e arquitetura refinada tem o tamanho de quatro campos de futebol e vista para as famosas pirâmides. A obra faraônica, com o perdão do trocadilho, custou mais de 1 bilhão de dólares. Além das peças expostas hoje em dia no congestionado Museu Egípcio do Cairo, o novo edifício exibirá cerca de 20 000 itens nunca expostos ao público, muitos deles da coleção do faraó Tutancâmon, pela primeira vez reunidos. Além de uma réplica detalhada da tumba encontrada no Vale dos Reis, em Luxor, o museu ganhou a guarda do dourado sarcófago externo do faraó, já transferido para suas dependências. A mudança da múmia, no entanto, foi alvo de protestos e ela permanecerá onde foi achada.

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Um dos maiores salões foi erguido em torno da gigantesca estátua de Ramsés II, de 3 200 anos, 11 metros de altura e mais de 80 toneladas — primeiro, a escultura foi instalada no local, depois as paredes foram levantadas a sua volta. “O Grande Museu Egípcio trará benefícios não só para os turistas, mas também para as antiguidades, conservadas de acordo com as técnicas mais modernas”, afirma Laurel Bestock, arqueóloga da Universidade Brown, em Rhode Island. A expec­tativa é de que a atração receba 5 milhões de visitantes por ano (o equivalente, por exemplo, ao público da galeria londrina Tate Modern) e ajude a tapar parte dos buracos abertos no turismo egípcio nos últimos tempos.

Vítima de ataques terroristas em série e da violenta supressão da Primavera Árabe, um punhado de revoltas por mais democracia desencadeadas no fim de 2010, há quase uma década o Egito se esforça para reverter a queda no número de visitantes e reinventar sua indústria turística. Com as fronteiras fechadas entre março e julho em decorrência da pandemia, a queda na arrecadação do setor chegou este ano a mais de 1 bilhão de dólares por mês. Os voos internacionais vêm sendo retomados aos poucos, mas o fluxo ainda está muito abaixo da normalidade, e não voltará ao patamar anterior antes de 2021. Além do museu, o governo está construindo uma polêmica rodovia que corta os sítios arqueológicos, para facilitar o trânsito de visitantes, planeja um aeroporto em Giza e promete suspender a exigência de visto para estrangeiros que percorram o roteiro das principais (e espetaculares) atrações do país. Com um tesouro em fase de estudos e um museu incomparável perto de ser inaugurado, abre-se uma oportunidade para um belo passeio pela Antiguidade.

Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709

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