O melhor já é péssimo
O clima pede socorro — e uma comissão de notáveis recém-criada tentará frear o aquecimento global para evitar uma catástrofe
Pouco mais de uma semana depois da divulgação do mais recente estudo produzido pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o mundo tomou conhecimento de outra novidade: na terça-feira 16, foi criada a Comissão Global para Adaptação, com membros de peso, como Ban Ki-Moon, ex-secretário-geral da ONU, o bilionário Bill Gates e Kristalina Georgieva, do Banco Mundial. Eles ficarão encarregados de estimular a adoção de medidas — urgentes — para que o planeta enfrente as alterações no seu clima. A iniciativa não veio à tona agora por coincidência: foi planejada para ser uma resposta à nova pesquisa do IPCC, que evidenciou um cenário dramático mesmo diante das projeções mais otimistas — aquelas que serão perseguidas pelo novo grupo de trabalho (leia o quadro da página ao lado).
Estabelecido em 1988, o IPCC, órgão da ONU, produziu o primeiro amplo relatório sobre aquecimento global em 1990. O mais recente levantamento dessa envergadura foi divulgado em 2014. O documento serviu como base para o Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 nações, incluindo o Brasil, e que estabeleceu que, até o fim deste século, a temperatura do planeta não poderia subir mais do que 2 graus.
No relatório, a projeção otimista seria limitar o avanço a 1,5 grau. Para isso, cada país signatário do Acordo de Paris assumiu o compromisso de adotar medidas como a troca de matriz energética suja por fontes renováveis. A Terra, contudo, já apresenta temperatura 1,1 grau acima do patamar pré-industrial. A margem de manobra é, portanto, menor que 0,5 grau. Atualmente, os efeitos do aquecimento são percebidos em diferentes pontos geográficos em forma de tragédias como alagamentos, secas estendidas e derretimento de geleiras. E tudo pode piorar.
Enquanto o IPCC é composto de cientistas, a nova comissão, que agirá de modo independente da ONU, é constituída por diplomatas e bilionários. Seu trio de protagonistas representa os pilares de sua atuação: sensibilizar o público leigo e formadores de opinião; reforçar, junto a políticos e empresários, a necessidade de incluir os riscos das mudanças climáticas em planos de governo e de negócios; evidenciar como os mais pobres serão os mais vulneráveis aos efeitos previstos; e buscar o reconhecimento de que a liderança global para o tema é precária. De início, o projeto conta com o apoio de dezessete países — entre os quais não se encontram nem os EUA nem o Brasil. Há 28 comissários (membros das Nações Unidas e representantes de Estado ingleses, chineses e mexicanos, entre outras nacionalidades).
Um objetivo-chave da comissão é impedir um iminente colapso das iniciativas sustentáveis internacionais, postas em risco, por exemplo, pela saída dos EUA do Acordo de Paris, anunciada em 2017 pelo presidente americano Donald Trump. No Brasil, o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas de intenção de voto, afirmou que fará o mesmo. A China, potência global, diz querer liderar o caminho para o futuro sustentável, porém continua sendo um dos maiores poluidores, com a crescente queima de carvão: neste ano, o uso foi 12% maior em comparação a 2017.
É diante desse cenário desolador que o grupo começa a arregaçar as mangas. Explicou Ban Ki-Moon a VEJA, por e-mail: “Países como o Brasil, abençoados com recursos naturais, deveriam trabalhar para administrar esses bens de forma sábia. Florestas saudáveis trazem benefícios como alimento, abrigo, empregos e retenção de carbono. Todos os líderes deveriam reconhecer que, para o desenvolvimento econômico em longo prazo, ações climáticas, como de mitigação e adaptação, são vitais. São de interesse de todos. Nacionalmente, fortalecem populações vulneráveis. Globalmente, fortalecem a economia. O primeiro passo para avançarmos é compreender que essas medidas andam de mãos dadas com o desenvolvimento humano”.
A comissão é ambiciosa. O prazo estabelecido para que se mude o ânimo de governantes e empresários em relação ao tema é de dois anos. Sua primeira medida será preparar um guia de ações, que deve ser apresentado à ONU em 2019. No caso do Brasil, esperam-se propostas para reverter o aumento do número de queimadas, que cresceram 46% entre 2016 e 2017, e impedir a destruição da Amazônia. Resta saber se o próximo presidente do país, seja ele quem for, vai colaborar nesse empenho.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2018, edição nº 2605