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O DNA de mamutes com 1 milhão de anos aguça a clonagem de animais extintos

O sequenciamento de material genético desses animais dá impulso a essa fascinante esperança, mas o caminho ainda é longo

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 13h28 - Publicado em 26 fev 2021, 06h00

Eles surgiram na África, que também é o berço da humanidade, cerca de 5 milhões de anos atrás. Espalharam-se pelo mundo subindo para o norte da Europa até chegar às Américas. Desapareceram há apenas alguns milênios, devido a mudanças climáticas, escassez de alimento e, provavelmente, interferência humana, caçados aos milhares. Mas estão de volta agora, infelizmente ainda não à vida, e sim ao centro das atenções da comunidade científica: três dentes de mamute, dois deles com mais de 1 milhão de anos, tiveram seu material genético parcialmente sequenciado. Trata-se do DNA mais antigo já encontrado na Terra.

Os mamutes em questão, que viveram onde atualmente se situa a Sibéria, eram animais extraordinários. Medindo de 3 a 5 metros de altura e pesando mais de 6 toneladas (as proporções aproximadas de um elefante-africano), esses gigantes eram recobertos de pelos e dotados de enormes dentes e presas. Os dentes estudados foram coletados por cientistas russos no permafrost — solo congelado que permitiu a preservação de material orgânico —, na década de 70, mas só nos últimos anos surgiu a tecnologia para isolar e analisar o DNA que eles contêm.

É preciso destacar a real dimensão desse estudo, conduzido por paleontólogos europeus e publicado recentemente no periódico Nature. Porções de material orgânico não fossilizado, preservadas no gelo, foram sequenciadas. Isso significa que, se algum dia dentes de um hominídeo forem encontrados nas condições adequadas, muitos segredos da evolução do Homo sapiens, que teria surgido entre 300 000 e 500 000 anos atrás, serão revelados.

Embora possa parecer estritamente científico, o sequenciamento genético de animais antigos é um processo que já foi explorado à exaustão na cultura popular, sobretudo no cinema. Basta pensar em um dos filmes de ficção mais celebrados de todos os tempos: Parque dos Dinossauros. Na trama, dinossauros extintos há milhões de anos são trazidos à vida. O DNA é obtido por meio de amostras de sangue recolhidas da tromba de mosquitos que picaram os dinossauros e que depois ficaram presos e preservados em âmbar até serem recuperados por paleontólogos. Em posse do material genético, restava sequenciá-lo antes de reproduzir o DNA e fazer um ser vivo.

arte Mamute

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Guardadas as devidas proporções, há semelhanças entre o filme e o recente trabalho. Ambos envolvem a descoberta de DNA de animais exóticos e há muito tempo desaparecidos da face da Terra, bem como a complexa decodificação do material genético. Os pesquisadores precisaram usar o genoma de elefantes como guia para completar o estudo, assim como os cientistas de Parque dos Dinossauros utilizaram pedaços do DNA de répteis e anfíbios para completar o sequenciamento da ficção. Estaríamos, então, a poucos passos de criar um cenário semelhante, no qual poderíamos interagir com animais que foram extintos? Nem tanto.

Para chegar a esse ponto, seria necessário encontrar tecido animal com o núcleo celular (porção da célula onde se concentra o material genético) intacto — algo, por enquanto, improvável. O dente do mamute mais novo, com 700 000 anos, teve 70% do genoma reconstituído. No caso dos dois mais velhos, muito mais degradados, ficou em torno de 30%. “O DNA que encontramos estava quebrado em milhões de pedaços, o que fez com que a reconstrução do código genético da espécie não fosse totalmente fiel”, explicou a VEJA Patrícia Pecnerová, uma das autoras do estudo.

Na impossibilidade de encontrar materiais genéticos perfeitamente preservados, como os de espécies ameaçadas de extinção hoje guardados em laboratórios, só restaria coletar códigos de um ser vivo geneticamente aparentado do animal que se pretende recriar (no caso do mamute, o elefante) e recortar alguns genes, inserindo no lugar os do mamute, algo que ainda ronda o terreno ficcional. “Eu diria que continuamos longe do Parque dos Dinossauros, mas talvez um pouco mais próximos de A Era do Gelo”, diz Mariela Castro, bióloga da Universidade Federal de Catalão e especialista em mamíferos extintos. Por enquanto, só resta admirar os avanços da genética e da tecnologia e esperar que um dia a humanidade possa construir uma janela para um mundo perdido.

Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727

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