Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Novos estudos apontam o local de origem da peste negra

Pesquisas sugerem que a doença não dizimou metade da Europa, como se supunha até agora

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h32 - Publicado em 26 jun 2022, 08h00

O poeta italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375), autor da obra-prima Decamerão, descreve em seu monumental romance um dos períodos mais sombrios da história da humanidade. Na narrativa realista, Boccaccio relata como a peste negra chegou à Europa. “Na cidade de Florença, a mais bela de todas da Itália, ocorreu uma peste mortífera que começara alguns anos antes no lado oriental, ceifando a vida de incontável número de pessoas, e, sem se deter, continuou avançando de um lugar a outro até se estender desgraçadamente em direção ao Ocidente.” A pandemia que matou em quatro anos cerca de 25 milhões de pessoas no Velho Continente sempre suscitou dúvidas a respeito de sua origem. Os pesquisadores, assim como Boccaccio, costumeiramente se referiam à Ásia como ponto de partida, mas o local exato do nascedouro da peste jamais havia sido determinado. Recentemente, uma nova incursão científica jogou luz sobre a polêmica questão e avançou no tema.

O estudo realizado pela Universidade de Stirling, na Escócia, em parceria com o Instituto Max Planck e a Universidade de Tübingen, ambos na Alemanha, concluiu que a doença despontou no atual Quirguistão, na Ásia Central. Os cientistas analisaram o material genético de corpos enterrados há séculos em cemitérios do Vale do Chu e comprovaram, graças à tecnologia, a presença da bactéria causadora de tão devastador mal anos antes de sua chegada à Europa. “Nosso trabalho resolve um dos fascinantes capítulos da história e aponta quando e onde o assassino mais notório e infame dos seres humanos começou”, afirmou Philip Slavin, um dos líderes da pesquisa.

arte peste negra

O tom um tanto pretensioso é contestado por outros estudiosos, que dizem ser impossível cravar local e data do início da chaga. Há relatos de pandemias desde a Grécia Antiga e suspeitas de que a Praga de Justiniano, que abalou o Império Bizantino entre os anos de 541 e 544, fosse da mesma natureza. De qualquer modo, o DNA dos mortos enterrados às margens do Lago Issyk-Kul traz novas evidências sobre a tenebrosa época. Até então, acreditava-se que a doença chegara à Europa por meio de genoveses após uma batalha em 1346 contra o exército mongol na Crimeia, região atualmente sob o domínio russo.

A peste negra foi causada pela bactéria Yersinia pestis e recebeu esse nome em razão das manchas escuras em partes gangrenadas do corpo dos infectados. Sua forma mais comum é a peste bubônica, transmitida por pulgas de ratos, que provoca inchaço nos nódulos linfáticos, formando bolhas na virilha e na axila. O mal perdurou por séculos, ainda que de maneira menos letal. As famosas máscaras da peste — espécie de capacete bicudo usado por médicos britânicos em razão de uma teoria equivocada de que a enfermidade seria transmitida por meio de odores — surgiram no século XVII, cerca de 300 anos após a publicação de Decamerão. Só em 1894 o suíço Alexandre Yersin descobriu o bacilo da doença, hoje facilmente tratada com a ajuda de antibióticos.

Continua após a publicidade
O INÍCIO DE TUDO - Lago Issyk-Kul: o plácido local teria sido o ponto de partida -
O INÍCIO DE TUDO - Lago Issyk-Kul: o plácido local teria sido o ponto de partida – (Emad Aljumah/Getty Images)

O local de origem não é a única contenda em torno da peste negra. O seu nível de letalidade também vem sendo alvo de um acalorado debate. Uma pesquisa publicada pelo Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, em Jena, na Alemanha, apontou o número de vítimas como superestimado, atacando sobretudo a tese de que metade da Europa teria morrido. O argumento do historiador Adam Izdebski sustenta-se na agricultura. No século XIV, a maioria dos europeus trabalhava no campo. Se 50% deles tivessem desaparecido, a atividade agrícola teria se reduzido severamente, o que não ocorreu.

Revelações científicas iluminam caminhos, mas não podem jamais levar à intolerância. No caso da Covid-19, asiáticos sofreram preconceito e a doença chegou a ser chamada de “vírus chinês”. Na Idade Média, deploráveis perseguições à comunidade judaica compõem uma página a ser deletada. No episódio conhecido como O Massacre de Lisboa, 4 000 judeus foram lançados à fogueira — na visão sombria de seus algozes, eles seriam os responsáveis pela propagação da peste. “Sempre houve a tendência de identificar um malefício com o diferente, o estrangeiro”, explica Gildo Magalhães dos Santos, diretor do Centro de História da Ciência da USP. Bem mais digno do que apontar culpados — eles, ressalte-se, não existem — é usar o conhecimento para impedir a disseminação de novas pragas.

Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.