Novo fóssil brasileiro pode ser revolução na paleontologia
Pesquisadores do Rio Grande do Sul descobriram um precursor dos pterossauros que remodela o conhecimento a respeito dos grandes répteis
Em 2022, quando fazia uma de suas visitas de rotina a um sítio paleontológico de São João do Polêsine, no Rio Grande do Sul, Rodrigo Temp Müller não se surpreendeu ao encontrar mais um fóssil no local, rico em registros históricos desse tipo. No entanto, ao olhar um pouco mais de perto, percebeu que aquele não era um achado qualquer. Tratava-se, na verdade, de um material que mudaria o que se sabe sobre a história dos dinossauros e pterossauros que dominaram a Terra há alguns milênios atrás. Não por acaso, as conclusões do estudo garantiram ao seu grupo um espaço na capa da revista Nature.
O fóssil pertence ao grupo dos lagerpetídeos, um irmão evolutivo dos pterossauros, que viveu na Terra há 230 milhões de anos e compartilhou o espaço com as primeiras espécies de dinossauros. É muito difícil, no entanto, encontrar fósseis completos desses animais. “Até 2020, mais ou menos a gente não tinha nada de material craniano e até agora isso ainda é bastante obscuro”, afirma Müller, autor principal do artigo publicado nesta quarta-feira, 16, em entrevista a VEJA. Essa foi uma das características elucidadas pelo fóssil – tão importante que foi parar no nome.
A nova espécie recebeu a alcunha de Venetoraptor gassenae. “Veneto” homenageia o Vale Vêneto, um distrito de São João, enquanto ”raptor” faz referência ao bico raptorial do animal, muito semelhante ao de águias ou aves de rapina. “É a primeira vez que a gente tá vendo isso, nós não sabíamos como era a face dessas criaturas”, diz Müller. “Bicos assim geralmente são usados para manusear presas, mas também podiam servir para o consumo de frutas, por exemplo.”
Essa informação chamou muito a atenção dos pesquisadores, porque, nos dinossauros, essa característica só apareceu cerca de 80 milhões de anos depois. As patas também foram uma novidade. Diferente do esperado, elas são grandes e com garras bem desenvolvidas. É difícil de dizer, com certeza, qual era a utilidade, mas podem ter sido empregadas para caçar pequenas presas e subir em árvores.
As novidades desafiam o conhecimento atual a respeito da evolução dos grandes répteis. Até agora, acreditava-se que a diversificação de espécies só tinha aparecido depois que os dinossauros e pterossauros conseguirem se estabelecer. A nova pesquisa, no entanto, com base em comparação desse fóssil com outros encontrados ao redor do mundo, mostra que essa família de irmãos dos pterossauros eram tão ou mais diversas que os seus sucessores.
“Fiquei bastante surpreso”, diz o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, sobre o achado. “O animal demonstra uma diversidade tremenda dos lagerpetídeos – para um bico e uma garra aparecerem no triássico, muitas outras coisas devem ter acontecido também, e isso ficará claro à medida que fósseis mais completos forem encontrados.”
Os ineditismos do artigo não param por aí. Os primeiros répteis viviam apenas na região sul da pangeia, mas trabalhos recentes mostram que os dinossauros, supostamente, foram os primeiros a conseguir cruzar a área árida que dominava o centro do continente para conseguir chegar ao norte. No entanto, as investigações do grupo internacional que trabalhou em cooperação com Müller mostra que, para a surpresa de muitos, os lagerptídeos também dominaram esse feito.
Agora, as análises serão finalizadas e o fóssil será doado para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Em troca, os pesquisadores do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (Cappa) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) receberão uma reprodução do Venetoraptor, que tentará se aproximar de como o animal era em vida. “Isso me anima muito, porque eu estudo esse tipo de coisa há décadas, mas essas descobertas, feitas por pesquisadores jovens e brasileiros, mostram que a paleontologia ainda tem muito a revelar, com direito, inclusive, a capa na Nature”, afirma Kellner.