O lançamento do Telescópio Espacial Hubble, em abril de 1990, marcou uma nova era na astronomia. Até aquela época, muitos cientistas acreditavam que as galáxias só começaram a se formar bilhões de anos depois do Big Bang, a explosão que criou toda a matéria e energia do universo e vem se expandindo sem parar. As excitantes descobertas do então novo observatório, contudo, derrubaram a teoria e a substituíram por outra. Segundo a tese, prontamente aceita pela comunidade científica internacional, as galáxias se desenvolveram lentamente e levaram muito tempo para se tornar massivas, como se fossem bebês cósmicos passando por extensos estágios de crescimento.
Há, agora, um movimento extraordinário, que parece ir um tantinho na contramão das ideias com as quais lidamos hoje, e é possível, sim, que tudo tenha sido mais rápido. O Telescópio Espacial James Webb, que estacionou no cosmos em dezembro de 2021 e abriu suas lentes em julho do ano passado, tem entregado segredos. Astrônomos de universidades americanas, australianas e europeias descobriram vários objetos misteriosos escondidos em imagens do supertelescópio da Nasa, da Agência Espacial Europeia e da Agência Espacial Canadense que desafiam mais uma vez os conhecimentos acumulados. As revelações, publicadas na revista Nature, causaram nova onda de entusiasmo.
Um grupo de astrofísicos e astrofísicas dos Estados Unidos, Dinamarca e Espanha, liderado por Ivo Labbé, professor da Universidade de Tecnologia Swinburne, na Austrália, examinou um lugar um tanto desinteressante do firmamento, próximo da constelação Ursa Maior — e descobriu por ali seis galáxias gigantescas. Essas enormes coleções de gás, poeira e bilhões de estrelas foram formadas, ao que tudo indica, logo depois da singularidade, como é chamada a explosão primordial. É um passo, portanto, no avesso da teoria cosmológica atual. É surpreendente. “A partir da tese corrente e de observações anteriores com o Hubble, acreditava-se que as galáxias tinham um outro modelo de desenvolvimento ao longo do tempo astronômico”, disse Labbé a VEJA. “Parece haver um canal diferente, uma via veloz, para formar galáxias monstruosas muito rapidamente.”
Labbé e seus colegas examinavam uma área com o tamanho de um selo postal de uma imagem registrada pelo James Webb quando identificaram “pontos difusos” vermelhos de luz que pareciam brilhantes demais para ser verdadeiros. A cor significa que os corpos celestes que provavelmente representavam estão muito longe no tempo e no espaço — objetos mais próximos da Terra têm um tom mais azulado. É como se os pesquisadores estivessem olhando por um gigantesco espelho retrovisor no firmamento, mostrando o que aconteceu em um passado muito, muito longínquo. Depois de alguns cálculos, eles determinaram que as galáxias encontradas têm mais de 12 bilhões de anos, e foram formadas de 500 milhões a 700 milhões de anos após o Big Bang, com estrelas que atingiram tamanhos de até 100 bilhões de vezes a massa do nosso Sol. De acordo com o que se sabe até hoje, porém, não haveria gás suficiente naquele momento, após a primeira de todas as explosões, para formar tantas estrelas assim.
O que vem deixando os pesquisadores cismados é a suposta natureza dessas galáxias. Muito antigas, elas têm uma enorme quantidade de estrelas, mas são trinta vezes menores do que a Via Láctea, endereço da Terra no universo. “Se fossem seres humanos, elas seriam como bebês de 1 ano, muito menores do que o normal e com o peso de uma pessoa adulta”, compara Labbé. “São realmente diferentes, criaturas verdadeiramente bizarras. O universo primitivo é estranho.”
Eis a beleza da astronomia, em busca de nossas origens, numa valsa infinita de conhecimento. Há muito ainda a ser estudado e comprovado. Antes de tudo, informam os especialistas da equipe de Labbé, é preciso colocar as descobertas em uma base mais segura e confiável. O primeiro passo é confirmar as distâncias com a espectroscopia, método em que cientistas colocam a luz de cada uma dessas galáxias em uma espécie de prisma. Isso dirá a distância delas até a Terra com precisão quase cirúrgica e revelará o que está produzindo a luz, se são estrelas ou algo diferente — como buracos negros em colisão, por exemplo. Graças ao James Webb, as revelações sobre o universo são cada vez mais fascinantes.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831