Maior museu arqueológico do mundo começa a funcionar em modo soft opening no Egito
A promessa é de resgatar o protagonismo cultural do país

Parecia praga sem remédio. Foram duas décadas de promessas e sucessivos adiamentos, mas enfim o Grande Museu Egípcio (GEM, na sigla em inglês) começou a receber visitantes, em modo soft opening. Instalado a dois quilômetros das pirâmides de Gizé, nos arredores do Cairo, o complexo é monumental: tem 500 000 metros quadrados de área construída, o equivalente ao dobro do Louvre parisiense. Projetado por um escritório de arquitetura irlandês e construído com financiamento do governo local e de parceiros japoneses, o edifício receberá mais de 100 000 artefatos — entre eles 20 000 peças nunca antes expostas. É, enfim, um colosso ansiosamente esperado, ímã de atração para quem tem fascínio pela civilização egípcia (e quem não tem?).

O prédio é um espetáculo à parte. Uma estátua de Ramsés II com 83 toneladas, durante décadas estacionada em uma praça do centro do Cairo antes de ser transferida ao novo endereço, domina o átrio. A escadaria central, ladeada por sarcófagos e colossos de faraós, conduz a uma vista ampla e envidraçada das pirâmides. Ao contrário do antigo Museu Egípcio da Praça Tahrir, o GEM vai além das relíquias reais: ali também estão objetos da vida cotidiana, esculturas greco-romanas, múmias de animais e perucas trançadas de 3 000 anos que revelam o Egito como uma sociedade em transformação, não um reino congelado no tempo, um enigma sem resposta.
Dos doze salões, onze já estão acessíveis. A galeria mais aguardada, dedicada a Tutancâmon, no entanto, segue fechada, mas seu conteúdo impressiona pela dimensão: 5 000 objetos retirados da tumba do faraó adolescente, descobertos em 1922 por Howard Carter, agora reunidos pela primeira vez em um único espaço. Máscaras, sarcófagos, sandálias, camas cerimoniais, cosméticos e até uma barca solar em cedro, originalmente enterrada próxima à pirâmide de Quéops, fazem parte do conjunto. A restauração de uma segunda embarcação, em curso, poderá ser acompanhada ao vivo pelos visitantes nos próximos três anos.

A cerimônia de inauguração, marcada para o início do mês, foi adiada por tempo indeterminado. A decisão foi tomada após a escalada do conflito entre Israel e Irã. “Decidimos adiar a inauguração para garantir que ela aconteça em um momento adequado, com o impulso global que merece”, afirmou o primeiro-ministro egípcio, Mostafa Madbouly. O governo havia planejado uma celebração de vários dias, com a presença de líderes mundiais e desfiles nos moldes da parada das múmias, em 2021. Não será assim, ao menos por ora, mas era preciso mostrar que a ideia nasceu, daí a abertura de algumas salas.
Como sempre, há entusiasmo, mas brotam críticas. Os autóctones reclamam da exagerada ênfase, ao redor, de lojas, hotéis de luxo e lojas de grife. Os preços de produtos da região sobem na esteira da novidade. Teme-se que o GEM vire uma marca fria, sem alma, um ícone internacional apartado das necessidades da vizinhança pobre. É provável que assim seja. Louve-se, contudo, um aspecto interessante e fundamental. Com a obra, o Egito busca recuperar o protagonismo sobre sua própria história — e municiar a campanha pela devolução de peças subtraídas durante o colonialismo europeu.

Pede-se, em amplas campanhas, a repatriação do busto de Nefertiti, hoje no Neues Museum, em Berlim; da Pedra de Roseta, no Museu Britânico; e do Zodíaco de Dendera, no Louvre. A ideia é que façam companhia à máscara mortuária dourada de Tutancâmon, que deixou o antigo museu para ser a nova joia da coroa. “O objetivo é funcionar também como um centro de pesquisa arqueológica”, diz Ahmed Ghoneim, diretor do complexo. Com laboratórios de restauração de ponta e recursos de exposição que rivalizam com os de instituições europeias e americanas, o GEM, dada a sua grandeza, parece dizer aos visitantes, tal qual no célebre enigma proposto pela esfinge de Tebas, o monstro com corpo de leão: “Decifra-me ou te devoro”.
Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953