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Genes da monogamia

Estudo aponta variações do DNA que indicam a tendência de uma espécie a permanecer para sempre com um único parceiro. Aviso: a lógica não vale para humanos

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h12 - Publicado em 18 jan 2019, 07h00

Quem quer manter uma relação matrimonial fiel pode se mirar nos flamingos. A ave, de belíssima plumagem, é famosa por ter usualmente um único parceiro sexual ao longo da vida. O símbolo dessa união é a forma como o macho e a fêmea entrelaçam os pescoços. A notoriedade do casamento dos flamingos se justifica. A monogamia é rara no reino animal — e, convenhamos, entre os humanos também.

O que levaria certas espécies a ser inabalavelmente fiéis do ponto de vista conjugal? Um estudo publicado no início deste mês pode ter encontrado a resposta da ciência para essa questão intrigante. Biólogos da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, analisaram o DNA de dez espécies divididas em pares cujos membros pertenciam à mesma linha evolutiva, a fim de permitir comparações. Cinco eram animais monogâmicos e cinco poligâmicos. Do grupo constavam quatro mamíferos, dois anfíbios, dois peixes e duas aves — nenhum flamingo, devido à inexistência de primos, digamos assim, promíscuos, que possibilitassem o contraponto com os fiéis. Com tal amostragem, foi possível identificar, por meio de características genéticas, o que faz, por exemplo, a ratazana-da-pradaria ser monogâmica, enquanto o rato-do­-mato, seu parente próximo, se comporta de maneira poligâmica. No trabalho, os pesquisadores levantaram 24 variações genéticas que indicam a tendência de alguns animais a se dedicar a um único parceiro sexual.

A configuração do chamado “kit monogâmico” é ligada a genes que também colaboram para melhores habilidades cognitivas, como aquelas ligadas à memória. Acredita-se que isso ocorra como um modo de capacitar o animal para conseguir reconhecer seu parceiro eterno, sua prole e o ninho compartilhado pela família. A preferência pela monogamia traria vantagens ante a seleção natural. Apesar de a característica resultar em menor número de descendentes, a união indestrutível entre parceiros levaria à criação de uma cumplicidade maior diante de outros desafios, como o enfrentamento de predadores. Além disso, o cuidado com os filhotes seria maior, o que garantiria a sobrevivência deles até a vida adulta.

“No futuro, a intenção é usar manipulação genética para alterar a tendência monogâmica para poligâmica”, disse a bióloga Rebecca Young Brim na divulgação do estudo. Por que diabos os cientistas querem tornar os animais libertinos?! É simples: algumas espécies já se extinguiram em consequência da monogamia. Com o aumento da presença humana em seus hábitats, cresceu igualmente a caça. Quando um desses animais monogâmicos é morto, seu parceiro não procura outra companhia sexual — e a espécie vai desaparecendo. Foi o que ocorreu na década de 70 com o macaco-colobo-vermelho-de-miss­-waldron, primata do Arquipélago de Zanzibar, onde era endêmico. Atualmente, animais como a pomba rola­-brava, nativa da Península Ibérica e usada na pesquisa americana, correm o mesmo risco — e poderiam ser beneficiados pela alteração do DNA.

É preciso, contudo, sublinhar que em humanos a situação é distinta. Nada indica que determinações genéticas levem à monogamia ou à poligamia. “Não há prova de que a definição social desse comportamento tenha algum tipo de influência do DNA”, declarou Rebecca. Em uma palestra num evento TED, o psicólogo americano Christopher Ryan, autor de Sex at Dawn (Sexo ao Alvorecer), resumiu a questão: “Somos naturalmente poligâmicos, como chimpanzés e bonobos. A monogamia surge somente no processo civilizatório. A mulher comprometeu-se a ficar com um único homem em troca de proteção, abrigo e comida, enquanto o homem, por sua vez, teria assim a certeza de que seus filhos realmente seriam dele”. Não por acaso, a “infidelidade” não é alheia ao contexto social. Ao mesmo tempo, frisa Ryan, somos uma das poucas espécies — ao lado de alguns primatas e outros casos raríssimos — que não se importam com determinações naturais no momento das relações sexuais. Promovemos, por exemplo, o sexo recreativo. Enquanto entre mamíferos o comum é que nasça um descendente a cada doze relações, entre humanos isso só ocorre a cada 1 000 encontros sexuais. Que, aliás, não muito raramente acontecem com mais de um parceiro. Os flamingos são mesmo diferentes.

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Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618

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