Fósseis de peixes do Saara datam do início da vida pastoral humana
Pesquisadores descobrem no deserto resquícios de diversas espécies, o que permitirá conhecer melhor uma fase da história
Sol, calor e areia, areia e areia. Com certeza, essa é a primeira ideia que vem à mente quando alguém pensa no Saara, o maior deserto quente do planeta, com seus mais de 9 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a 37 vezes o tamanho do Estado de São Paulo. O surpreendente é que nem sempre ele foi assim. Um estudo publicado na quarta-feira 19 no periódico científico americano Plos One deixou claro que, entre 10 000 e 15 000 anos atrás, aquela área contava com uma ampla rede hidrográfica, onde nadavam diversas espécies de peixe.
A pesquisa, resultado de uma parceria do Museu de História Natural da Bélgica com a Universidade Sapienza de Roma e outras instituições europeias, concentrou-se em Takarkori, no sudoeste da Líbia. Lá os cientistas encontraram 17 500 fósseis — 80% deles eram de peixes, 19% de mamíferos e 1% de aves, répteis, moluscos e anfíbios. Resquícios de peixes já haviam sido descobertos em 2019 no Saara. Contudo, para além da abundância de agora, o novo estudo se reveste de importância porque “o material encontrado data dos primeiros tempos da vida pastoral humana”, conforme explicou a VEJA o arqueólogo italiano Savino di Lernia, um dos autores do trabalho. Segundo o pesquisador, os fósseis eram de sobras alimentares de seres humanos, o que permite conhecer melhor os hábitos destes no momento em que se tornaram sedentários.
A pergunta inevitável a esta altura é: como foi que uma região tomada pelas águas se transformou em um território de dunas? A resposta está em uma soma de circunstâncias. O lugar onde o Saara se situa é marcado pela alternância entre períodos de umidade e de aridez. Há cerca de 5 000 anos, tal transição se deu de forma abrupta. Não se sabe o porquê. Os cientistas acreditam ainda em algum tipo de participação do homem no processo de desertificação do Saara.
Nos últimos anos, aquela área inóspita tem sido fértil em revelações históricas. Em 2011, um grupo de pesquisadores ingleses descobriu uma civilização que lá ergueu algumas cidades entre 1 e 500 d.C. A nova pesquisa representa um avanço para o esclarecimento do passado da Terra e da humanidade — que tem na África um capítulo incontornável. Não por acaso, no livro The Shadow of the Sun (1998), sobre o continente, o jornalista, escritor e historiador polonês Ryszard Kapuscinski (1932-2007) observou: “A África é um verdadeiro oceano, um planeta separado, um cosmo variado e imensamente rico”.
Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675