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Fórum da Água: ‘Saneamento não é assunto sexy, mas é necessário’

Diretor do programa de recursos hídricos da Unesco falou a VEJA sobre como soluções "baseadas na natureza" podem auxiliar no desenvolvimento sustentável

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 mar 2018, 17h21 - Publicado em 21 mar 2018, 15h31

Durante a abertura oficial do 8º Fórum Mundial da Água, na segunda-feira, a Unesco lançou o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos — 2018. De modo geral, o estudo propõe que sejam adotadas soluções baseadas na natureza para a melhor gestão da água ao redor do mundo. A sala, com capacidade para 130 pessoas sentadas, lotou e em torno de 200 indivíduos ficaram de fora do momento da apresentação. Em entrevista a VEJA, o diretor do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos da Unesco, Stefan Uhlenbrook, falou sobre as principais conclusões do estudo, a gestão hídrica no mundo e como o desenvolvimento precisa caminhar em direção a alternativas sustentáveis, antes que o planeta entre em colapso.

Qual o limite entre os serviços que devem ser providos apenas pela natureza e os que devem ser mantidos por empreendimentos humanos? A solução baseada na natureza não é uma panaceia. Se há água muito contaminada por um hospital, não é possível soltá-la na natureza. Ao exigir muito de um sistema natural, a capacidade dele é excedida. Ao pedir muito da natureza, destruímos a natureza. Em outros casos, talvez seja necessário construir uma barragem para evitar que cidades sejam destruídas por enchentes. Quando você quer combater a desertificação, a natureza é a única solução. São exemplos extremos, onde não há outra alternativa, mas em todos os outros é possível encontrar uma solução num meio-termo. Precisamos encontrar uma boa mistura entre o cinza e o verde, com a meta de minimizar as contrapartidas.

Superamos o momento em que se dizia que desenvolvimento e a preservação da natureza seriam opostos de uma moeda? A geração mais jovem é mais aberta a novas ideias. Noto mudança. Pessoas qualificadas entendem que precisamos de uma mistura entre essas duas ações. Os governantes também têm de mudar suas maneiras de pensar e esse é o ponto onde a geração mais jovem pode contribuir com novas propostas.

Como aplicar as soluções nas diferentes regiões do mundo? É necessário analisar cada caso, de cada região. São problemas diferentes com soluções diferentes. Não existe uma receita global. Precisamos entender a questão local, o clima, o uso da terra, quem são os proprietários da terra, e assim encontrar uma solução específica para aquele problema.

Há vantagens econômicas na preservação da natureza? Há benefícios com o que chamamos de soluções baseadas na natureza. As áreas úmidas podem armazenar água, elas produzem material orgânico, que pode ser usado na geração de biocombustível, e muitas das soluções dão empregos às pessoas que moram nas áreas rurais. O sequestro de carbono é uma das medidas e ajuda a amenizar os efeitos das mudanças climáticas. Os solos têm taxas baixas de carbono e a natureza pode trabalhar para melhorar esse cenário. Ao mesmo tempo, metano e outros gases podem ser emitidos em áreas úmidas. Nem tudo deve ser feito ao léu, as soluções baseadas na natureza também precisam ser administradas para não terem efeitos ruins. Quando todos os benefícios socioeconômicos são analisados, as soluções baseadas na natureza são mais eficientes quando comparadas à típica engenharia cinza e tradicional.

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Dependemos dos governos ou a sociedade civil e indivíduos podem agir? A sociedade tem um papel importante nessa discussão. Você precisa do fazendeiro, do dono da terra, precisamos de uma abordagem participativa. Apenas ditar o que eles devem fazer não costuma funcionar. Eles precisam ser conquistados para trabalhar em conjunto. A agenda é comum. Agricultores sabem quando há pouca ou muita água, quando a terra deixa de produzir. Há investimentos que podem ser feitos para melhorar a agricultura. Normalmente eles querem colaborar. Só é essencial que os objetivos estejam alinhados com os deles.

Qual é o papel dos indígenas e de outras comunidades tradicionais? Eles estão em harmonia com a natureza de maneira muito melhor que o mundo industrial. Com a intensificação da agricultura, o aumento da população, as pessoas se esqueceram dos sistemas tradicionais. Tiramos todos os nutrientes do solo e não demos tempo para ele se regenerar. A eficiência caiu. Somos parte da natureza. Descansar é importante para todos, inclusive nós, humanos, que somos parte do ecossistema. As comunidades tradicionais sabiam como fazer isso. Talvez seja o caso de voltarmos a atentar ao conhecimento indígena, compreender e aprender com o que eles dominaram ao longo de milhares de anos.

Qual a maior ameaça ao planeta atualmente? Como hidrólogo, tenho um viés direcionado à água. Estamos em um caminho extremamente insustentável. Se formos espertos, conseguiremos minimizar os efeitos da urbanização para superar alguns desses desafios. Acredito que a melhor harmonia entre o verde e o cinza é uma maneira de voltar a um caminho sustentável. Temos de mudar para sobreviver.

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A má gestão da água está relacionada à ideia de abundância do recurso?  A crise hídrica na região do sudeste do Brasil, em São Paulo, foi ruim, mas pode ter sido um sinal de alerta para perceber que a maneira de usar a água precisa mudar. A urbanização e a demanda aumentam o tempo inteiro. Tiramos mais água do sistema o tempo inteiro. O clima não está estável, pelo contrário, está cada vez mais extremo em diferentes partes do mundo. Além disso, mais comida precisa ser produzida, o que demanda mais água. E a disponibilidade do recurso está diminuindo. Isso é insustentável. Temos que repensar o uso da água e o consumo de alimentos no geral. Será que a Europa precisa receber alimentos cítricos ao longo do ano inteiro? Talvez a oferta tenha que ser apenas na época em que é sensato oferece-la, sem a necessidade de produção com irrigação. A ideia de oferecer tudo ao longo do ano inteiro não é uma solução sustentável. O consumo precisa ser sustentável.

A água deveria ser tratada como um produto? Às vezes há subsídios, às vezes as companhias de saneamento cobram taxas e são privadas ou público-privadas. Acredito que o melhor seja um funcionamento em que o serviço se paga. O acesso à água muito barato não é bom. As pessoas desperdiçam aquilo que é barato demais. Se pesar no bolso, há mais economia. Os pobres precisam ser subsidiados. Mas o que se vê hoje nas favelas é que os pobres pagam mais caro para comprar água do que a classe média paga em taxas para receber a água tratada em casa. Como eles compram água por litro, em garrafas ou galões, sai mais caro do que o abastecimento doméstico. A água é muito cara para os mais pobres.

Como incentivar o desenvolvimento? Um desafio é ter o capital para o investimento. É muito caro no começo e o retorno acontece depois de muitos anos. Precisa ser feito, mas não é atraente para os investidores privados. Eles precisam ter certeza de que receberão o dinheiro de volta. Isso exige estabilidade política, por exemplo, para eles se sentirem seguros. Mudanças no governo, fragilidades, afastam os investidores.

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Ao mesmo tempo, aqui vemos políticos que não fazem obras sustentáveis, desse gênero, porque elas não dão votos… Os políticos têm a obrigação de providenciar serviços para o povo. É moralmente errado não fazer algo porque não traz votos. Os custos para a sociedade são altíssimos. As pessoas ficam doentes todos os dias. Cerca de mil crianças morrem todos os dias por causa de diarreia. Não há nenhuma necessidade de morrer por diarreia. É uma doença consequente de apenas falta de higiene. Bastaria instalar um vaso sanitário para resolver. A população precisa entender como os custos são altos no longo prazo. Sim, é caro. Mas os benefícios sociais têm que ser considerados. A Unicef demonstrou que a cada dólar investido no saneamento, o governo recebeu de volta entre 4 a 5 dólares. É um bom retorno de investimento. Mas, de fato, o saneamento básico não é sexy para investidores, ou para o mercado.

 

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