Ferramenta de IA restaura inscrições latinas danificadas e completa trechos
‘Aeneas’ interpreta os escritos com base em banco de dados e sugere datas e locais mais precisos aos artefatos

Estima-se que cerca de 1.500 inscrições latinas são descobertas por ano, e junto com elas os vestígios da cultura, cotidiano e história do Império Romano. No entanto, os arqueólogos esbarram em um problema: muitas dessas escrituras estão danificadas e incompletas. Para decifrar este contratempo do passado, uma ferramenta ‘do futuro’ pode ajudar. Pesquisadores de Londres desenvolveram uma IA capaz de restaurar as inscrições perdidas e auxiliar na datação, localização e contextualização dos achados.
A epigrafia é o estudo de documentos inscritos, em que o pesquisador da área busca entender a mensagem escrita no artefato, assim como contextualizá-la na história. É um processo demorado que leva anos de estudos para ser capaz de interpretar as inscrições antigas, que variam não apenas em língua, mas em caligrafia, termos locais e abreviações. A deterioração e consequente perda do material ao longo dos séculos torna a tarefa ainda mais difícil.
Yannis Assael e Thea Sommerschield são os autores principais de um artigo que aponta uma luz no fim do túnel para esses obstáculos. Aeneas é uma “rede neural generativa, que é uma ferramenta de IA que aprende a reconhecer padrões nos dados usados para treiná-la e, em seguida, faz sugestões com base nesses padrões”, escrevem os pesquisadores no estudo publicado na Nature nesta quarta, 23. O nome faz referência ao herói mitológico romano Eneias (Aeneas em latim), personagem da Ilíada de Homero, e principalmente da Eneida de Virgílio.
A Aeneas é abastecida com metadados históricos e linguísticos já analisados por pesquisadores. A IA, então, avalia aspectos visuais e semânticos para realizar suas análises. Em conjunto com as informações fornecidas pela ferramenta, historiadores traçam paralelos entre diferentes inscrições. “Isso é crucial para a interpretação e contextualização desses materiais”, escrevem os autores. Outro papel importante são as sugestões de textos perdidos em peças danificadas, que são frequentes.
O artigo aponta que a IA tem algumas limitações, como a correspondência de imagens às inscrições, que ficou em apenas 5% entre as peças analisadas. Aeneas também funciona melhor em artefatos de períodos e regiões específicas, proporcionalmente a quantidade de evidências existentes da época, então não foi um dado surpreendente aos pesquisadores.
Mesmo sem alcance generalizado na comunidade, a IA Aeneas foi bem avaliada entre historiadores, desde estudantes de mestrado a professores, questionados pelos autores. Em 90% dos casos, “historiadores descobriram que os paralelos textuais e contextuais sugeridos por Aeneas foram pontos de partida úteis para suas pesquisas”, afirmam os autores.