Extinção a sangue-frio: 21% das espécies de répteis correm risco de sumir
Sem o carisma dos mamíferos, eles não recebem a mesma atenção dos humanos
Se mesmo animais fofos, peludos, bonitos e exóticos sofrem com a ação humana e correm risco de extinção, imagine seres de carapaça dura, pele enrugada, músculos fortes e dentes afiados. O maior estudo global já feito sobre os répteis, grupo que abrange lagartixas, tartarugas, crocodilos, cobras e lagartos, foi publicado na revista científica Nature e apresenta descobertas extremamente preocupantes: 21% das mais de 10 000 espécies desses animais estão sob ameaça de sumir, enquanto 31 espécies do grupo já desapareceram completamente. Riscos maiores são verificados entre as tartarugas, com quase 60%, e entre os crocodilos, com 50%.
As causas mais prováveis para o cenário incluem a destruição do hábitat dos répteis como resultado de atividades ligadas à agricultura, ao desenvolvimento urbano e à indústria madeireira, além da exploração dos animais para retirar sua carne ou pele. Segundo o estudo, mudanças climáticas também colocam em risco 10% desses bichos. A situação é tão grave que há, atualmente, mais espécies de répteis ameaçadas de extinção do que de aves ou mamíferos. Os dados foram analisados pela NatureServe, organização de pesquisa que atua há mais de cinquenta anos principalmente nos Estados Unidos, e contou com a colaboração de 52 pesquisadores do mundo, inclusive do Brasil.
O que nem sempre fica claro é a importância desses animais para o ecossistema em que vivem. É preciso compreender a questão para entender a gravidade do problema. “Répteis são parte fundamental dos ecossistemas naturais, pois funcionam ora como predadores, ora como presas. Portanto, estão ligados intimamente ao funcionamento e fluxo de energia e matéria na natureza, além de agir no controle de populações de diferentes grupos de organismos”, afirma Cristiano Nogueira, pesquisador do Departamento de Ecologia da USP e coautor da pesquisa.
Mesmo sendo tão essenciais para a natureza, eles não são “carismáticos” para os humanos, que costumam enxergá-los como nojentos, agressivos ou simplesmente estranhos. Para especialistas, isso é um equívoco. Afinal, alguns dos membros mais extraordinários do reino animal são parte do grupo dos répteis. O ser mais velho do mundo, por exemplo, é um réptil: a tartaruga Jonathan, com cerca de 190 anos.
Por que, então, a pesquisa e o interesse pelos répteis estão tão defasados em relação a outros grupos? “Além de serem animais de sangue frio e cobertos de escamas, em vez de quentinhos e peludos, os répteis são retratados como perigosos, o que reforça os sentimentos ruins que as pessoas têm em relação a eles”, explica Márcio Martins, do Departamento de Ecologia da USP e também coautor do estudo.
Apesar das descobertas sombrias, a solução pode ser bastante simples. Os cientistas chegaram à conclusão de que os mesmos esforços empregados para proteger mamíferos, aves e anfíbios (como a interdição de áreas protegidas) também beneficiam os répteis. Apesar de terem sido ignorados, esses animais provavelmente foram protegidos pelas medidas de proteção tomadas nos últimos anos.
O ideal é replicá-las no universo dos répteis. Segundo Bruce Young, cientista da NatureServe, os governos devem cumprir metas ambiciosas na luta pela biodiversidade: “Os países mais ricos precisam aumentar suas contribuições. Sabemos como prevenir a extinção, mas precisamos da vontade política.” Há exemplos bem-sucedidos. O panda, cuja extinção foi considerada iminente nos anos 1980, foi protegido e em 2021 deixou a lista de espécies ameaçadas. Mesmo sem o carisma dos ursos chineses, os répteis merecem a mesma preocupação.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788