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Em busca do elo perdido

Na Antártica, cientistas trabalham à procura de um achado estupendo: um fóssil que mostre a transição da evolução de peixes para animais terrestres 

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 16h16 - Publicado em 30 nov 2018, 07h00

“Devo inferir, por analogia, que todos os seres orgânicos que já viveram na Terra descenderam de uma forma primordial.” Assim o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) apresentou, no clássico A Origem das Espécies (1859), a ideia da existência de “elos perdidos” que seriam capazes de provar a transição evolutiva entre, por exemplo, macacos e homens. A busca por fósseis “primordiais” tem sido, desde então, uma das missões mais ambiciosas da ciência.

Programada para começar na quinta-feira 29, a mais nova empreitada com essa missão colocará em campo — mais exatamente no gelo do continente antártico — uma equipe disposta a esclarecer um resistente enigma da evolução das espécies. Chefiada pelo biólogo americano Neil Shubin, da Universidade Harvard (EUA), a ousada expedição, que contará com outros cinco exploradores — um geólogo, dois paleontólogos, um especialista em análise de imagens e um montanhista —, procurará, em montanhas da Antártica, os resquícios de um animal que teria vivido há aproximadamente 400 milhões de anos (veja o quadro acima). Essa espécie teria sido uma das primeiras — quiçá a primeiríssima — a deixar os mares e deslocar-se em terra firme. Para tanto, seu corpo apresentaria características de peixe e de anfíbio.

A equipe de Shubin passará cerca de cinco semanas em um acampamento montado sobre a Geleira Deception. Durante o chamado Período Devoniano, a região possuía uma floresta tropical que abrigava o delta de um rio. Foi naquela era que os continentes começaram a encher-se de plantas, o que pode ter motivado peixes com mutações apropriadas a deixar o mar em direção à terra, em busca sobretudo de alimentação farta ou de territórios seguros. Como na Antártica praticamente não chove, a expectativa dos cientistas é que os restos orgânicos daquele passado longínquo estejam congelados por lá. Disse Shubin a VEJA: “As rochas daquela área ainda estão na idade certa para fazermos essa pesquisa e são acessíveis”. Quando chegar às montanhas, o grupo deverá encarar temperaturas médias abaixo de 20 graus negativos e ventos de velocidade superior a 100 quilômetros por hora. “Será frio e seco. Ficaremos abrigados em barracas de náilon. O fundamental será manter o corpo permanentemente aquecido e hidratado”, explicou Shubin.

A busca do elo perdido entre animais aquáticos e terrestres é uma obsessão do biólogo. Ele já procurou por esses fósseis na Virgínia Ocidental (EUA), em escavações na Etiópia e no Ártico. Foi nesse último local que chegou mais perto do êxito. Lá, Shubin tornou-se o primeiro pesquisador a encontrar resquícios do Tiktaalik roseae, um peixe com músculos — similares aos de répteis e mamíferos de quatro patas — nas nadadeiras. Ele apresentou a descoberta em estudo publicado na revista Nature em 2006. Com nadadeiras musculosas, esse animal era capaz de pular para fora da água para alimentar-se em terra e, depois, voltar ao ambiente aquático antes de perder o estoque de oxigênio. Desta vez, a meta de Shubin é achar restos de uma espécie ainda mais próxima do momento da evolução de peixes para anfíbios. Diz o biólogo: “Além de contribuir para o entendimento de como os seres vivos complexos progrediram para caminhar no solo, a descoberta indicaria um ancestral que serviu de base para a existência de todos os animais que hoje andam pela Terra — inclusive o Homo sapiens”.

Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611

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