Como prever terremotos? Estudo ilumina um dos enigmas mais duradouros da natureza
Começam a surgir as primeiras descobertas sobre a lenta e quase imperceptível gênese das movimentações geológicas que culminam nos estrondos

Foram mais de 200 tremores de terra registrados no fim de semana, entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro. A magnitude máxima foi de 4,6 na escala Richter, considerada leve. Ainda que a chacoalhada tenha despontado discreta, quase imperceptível, milhares de turistas na Ilha de Santorini, na Grécia, deixaram o paraíso, às pressas, com medo. As escolas e instituições públicas foram fechadas. Houve algum pânico, rapidamente debelado. Temia-se um tsunami, que não veio. Ao término dos episódios, uma pergunta brotou como sempre: por que os sinais de terremotos são registrados tão em cima da hora, sem que possa haver adequada preparação da população e socorristas?
Um trabalho de profissionais da Universidade Hebraica de Jerusalém, publicado pela revista Nature, deu os primeiros passos de compreensão dos momentos iniciais do fenômeno geológico — é um modo de tentar prever com a devida antecedência as agitações que nascem das profundezas. O pulo do gato foi levar em conta um fator silencioso, até agora desdenhado: as pequenas rachaduras espalhadas pelas placas tectônicas, muitas vezes ínfimas, que alimentam o abalo. Não se trata, portanto, de apenas considerar as movimentações de grandes blocos, como sempre se imaginou. As pequeníssimas falhas são indícios de ruptura iminente, como em um espelho trincado.

É descoberta que soa evidente, mas assim caminha a humanidade, de mãos dadas com a ciência. As descobertas aparentemente banais são as que mais entregam avanços. “Revelações simples nos permitem fazer progressos substanciais”, disse a VEJA Jay Fineberg, pesquisador do Instituto de Física da universidade israelense e líder da investigação. Trata-se, a rigor, de identificar a gênese de algo que parecia insignificante, dada a suposição de que trechos distantes do coração dos terremotos fossem lisos e alheios a qualquer tipo de rachadura. Olha-se, enfim, o nó central, e muito pouco os trechos ao redor, a quilômetros de distância. A partir de agora, pode ter início um novo capítulo.
As revelações foram alcançadas a partir do trabalho com experimentos reais em folhas de vidro e intrincados modelos de computador, com apoio da onipresente inteligência artificial. Do casamento de informações, testadas por cientistas de diversos cantos do mundo, como é praxe na academia e nos laboratórios, nasce uma esperança: a possibilidade de antever os acidentes com horas, dias e mesmo semanas de antecedência — e não mais em cima do laço, atalho para tragédias. “O estudo amplia o entendimento existente, oferecendo uma perspectiva abrangente dos processos que culminam em terremotos”, diz George Sand de França, professor do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

Não se trata, é claro, de supor que seja possível evitar a agitação do solo. Mas a identificação prematura, associada a construções feitas para aguentar os trancos, como no Japão moderno, salvará vidas. “A compreensão do processo, lento e progressivo, é um grande passo”, diz Fineberg. Alertar os cidadãos previamente — como já ocorre com a meteorologia, apesar da inépcia de autoridades em todo o mundo e do descuido irresponsável com as mudanças climáticas — representará imenso ponto de virada. Evitaria, por exemplo, para ficar com um caso histórico, os mais de 1 500 mortos, 3 000 feridos e 1 milhão de desabrigados do terremoto de Valdívia, no Chile, em 1960, o maior de todos os tempos, em escala Richter de 9,5. O mais enigmático dos eventos naturais ganha, enfim, alguma luz.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930