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Como a arqueogenética revoluciona o estudo da evolução humana

Com novo laboratório na USP, o Brasil se torna referência do setor que une arqueologia a genética

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h28 - Publicado em 30 out 2022, 08h00

Cerca de 54 000 anos atrás, um grupo de treze pessoas vivia em cavernas situadas onde hoje está o sul da Sibéria, na Rússia. Onze ocupavam uma delas, duas ficavam em outra. Oito eram adultos e cinco, crianças. Provavelmente, faziam parte de uma grande família, caçavam juntos e compartilhavam comida e utensílios. Eram neandertais, que habitaram a região da Europa e da Ásia por mais de 350 000 anos, até que, há cerca de 40 000 anos, desapareceram quase de repente. Só foi possível montar esse retrato graças ao sequenciamento do DNA extraído de pequenas amostras de ossos e dentes encontrados na caverna Chagyrskaya. Essa nova ciência tem nome — chama-se arqueogenética — e destina-se a analisar geneticamente achados arqueológicos para descobrir as origens e os relacionamentos de seres humanos mortos há milênios.

É um grande avanço no estudo de nossos antepassados. “Pela primeira vez, podemos usar a genética para estudar a organização social de uma comunidade neandertal”, diz Laurits Skov, pesquisador do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, e coautor do estudo publicado na revista Nature. Além de vislumbrar como os antepassados dos seres humanos se organizavam socialmente, a tecnologia do DNA permite estabelecer com alguma precisão o nível de parentesco entre os indivíduos, o grau de diversidade do grupo e suas origens migratórias. É uma evolução gigantesca no campo da arqueologia, que nos seus primórdios se apoiava apenas em interpretações e teorias sobre os achados. E também o primeiro grande salto tecnológico na área desde os anos 1950, quando se desenvolveu a datação por radiocarbono. Os restos mortais desses personagens ancestrais se tornaram uma grande janela para o passado.

EM FAMÍLIA - Neandertal: relações de parentesco descobertas pelo DNA -
EM FAMÍLIA - Neandertal: relações de parentesco descobertas pelo DNA – (Joe McNally/Getty Images)

O termo arqueogenética foi cunhado nos anos 1990, mas só na última década o campo realmente começou a existir, graças ao trabalho do biólogo sueco Svante Pääbo, ganhador neste ano do Prêmio Nobel de Medicina. Há dois ramos de estudos em voga. No primeiro, mais abrangente, os cientistas investigam a evolução humana e o que fez o Homo sapiens, nossa espécie, prevalecer sobre os nean­dertais ou outras espécies antigas. Em outra corrente, os pesquisadores buscam saber se as populações que viveram em uma determinada região há milhares de anos tem traços genéticos em comum com quem ocupa o mesmo local no presente.

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A travessia é fascinante. “A arqueo­genética permite saber com mais precisão quais espécies de ancestrais do homem conviveram e se relacionaram, além de definir melhor as rotas migratórias percorridas por esses primeiros humanos a partir da África em direção à Europa e à Ásia e, depois, às Américas”, disse a VEJA o arqueólogo alemão Johannes Krause, diretor do Instituto Max Planck, coautor do recém-lançado A Jornada dos Nossos Genes (Sextante). Ele usa como exemplo a Lapa do Santo, sítio em Minas Gerais, com sepultamentos humanos com cerca de 10 000 anos. “Quem eram essas pessoas, como chegaram lá?”, pergunta Krause. “Respondendo a essas perguntas, aprendemos sobre as relações entre populações e como elas se movimentaram.”

DE ONDE VIEMOS? - Krause: no Brasil para estudar códigos genéticos -
DE ONDE VIEMOS? - Krause: no Brasil para estudar códigos genéticos – (Tristar Media/Getty Images)

Não vai demorar para sabermos as respostas. Em breve, o Brasil inaugurará o Laboratório de Arqueogenética da Universidade de São Paulo, no Museu de Arqueologia e Etnologia da Cidade Universitária, o primeiro da América do Sul para estudar o DNA antigo. Krause, que apoiou o desenvolvimento do centro por meio do Max Planck, fará uma visita ao local no início de novembro. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), teve custo de cerca de 2 milhões de reais. “Queremos transformar o laboratório em uma referência na América do Sul”, diz o arqueólogo André Strauss, que vai dirigir a instituição. Investir na ciência e em pesquisas é necessário para criar autonomia e se desenvolver por meios próprios. Há que se manter nesse caminho, com um olho no passado e outro no futuro.

Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813

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