Cientistas criam sistema que identifica sinais de rádio incomuns do espaço
Método baseado em inteligência artificial pode, quem sabe, encontrar vestígios de vida alienígena
Desde a Antiguidade os astrônomos investigam se estamos sós no universo. Ainda que a resposta permaneça indecifrável, ela ao menos ganhou tecnologia sofisticada com o passar dos tempos. O italiano Giordano Bruno (1548-1600) formulou a questão pela primeira vez no século XVI e, ao longo da história, telescópios e outras ferramentas renovaram a esperança da ciência em encontrar evidências de que há vida inteligente além de nossa atmosfera. O mais recente capítulo da novela que se estende há séculos foi publicado na revista Nature Astronomy. Um grupo de cientistas da Austrália, Canadá, Malta, Reino Unido e Estados Unidos descreveu um método baseado em inteligência artificial para identificar sinais de rádio incomuns do espaço.
Os pesquisadores usaram aprendizado de máquina para criar um sistema que diferencia sinais de rádio artificiais — aqueles com maior probabilidade de serem gerados por inteligência extraterrena — dos naturais. As interferências originadas na superfície da Terra, captadas por radiotelescópios e misturadas com os sinais do espaço, são uma das grandes pedras no sapato dos projetos de busca por inteligência extraterrestre. O método desenvolvido agora consegue eliminar essa sujeira inconveniente durante a varredura, refinando ainda mais o material examinado e economizando horas de trabalho.
O sistema busca por sinais com características específicas. Primeiro, identifica sinais de banda estreita, o que implica emanarem de uma fonte de tecnologia. Depois, se há alguma aceleração relativa entre nós e a fonte, o que significa vir, por hipótese, de uma estação extraterrestre no espaço, e não de interferência. Por fim, se o sinal só aparece quando apontamos nossos telescópios para a fonte. “Esses fatores indicam sinais de tecnologia para além da Terra, o que poderia implicar vida inteligente extraterrestre”, disse a VEJA Peter Ma, estudante de matemática e física da Universidade de Toronto, no Canadá, líder do estudo.
Numa primeira experiência, os pesquisadores aplicaram o método ao banco de dados do Observatório Green Bank, nos Estados Unidos, que faz parte do programa Breakthrough Listen. Foram “ouvidas” 480 horas de observação do Telescópio Robert C. Byrd, cobrindo assim um espectro de 820 estrelas (leia no quadro). Dos 115 milhões de fragmentos de dados, 3 milhões de sinais foram considerados “de interesse”, de onde pode vir alguma coisa. Depois de várias peneiras, os autores identificaram oito sinais não detectados anteriormente. No entanto, observações posteriores desses alvos emudeceram numa segunda tentativa. O próximo passo, diz Ma, é “estender o trabalho a vários outros projetos”.
A busca por inteligência extraterrestre de forma organizada começou em 1960, quando o astrônomo Frank Drake (1930-2022) projetou um experimento com radiotelescópio para procurar vida alienígena. De lá para cá, até pessoas comuns como o músico americano John Shepherd, cuja história foi contada no curta John à Procura de Aliens, se empenharam na empreitada. Nos anos 1970, Shepherd construiu na casa dos avós uma engenhoca eletrônica para mandar pulsos magnéticos para o espaço, na esperança de obter uma resposta. Até 1998, quando desativou o equipamento por falta de dinheiro, não ouviu nada de volta. “O silêncio do espaço é assustador”, diz Ma. A simples possibilidade de que possa haver algo além de nós justifica a fascinante curiosidade para desvendar os ruídos enigmáticos do universo.
Publicado em VEJA de 8 de fevereiro de 2023, edição nº 2827