Austrália: um país em chamas
Tarimbados em enfrentar incêndios florestais, os australianos fazia décadas não viam um verão com tanto fogo, tantas mortes e tantos animais em perigo
Entra ano, sai ano, a cada verão a Austrália queima. Incêndios engolem a vegetação em todo o país e são sentidos principalmente nas regiões perto da costa, onde se concentra a população dessa ilha que, de tão vasta (pouco menor que o Brasil), ganhou a qualificação de continente. Mesmo acostumados ao desastre, os australianos foram pegos de surpresa desta vez pela intensidade das chamas — produto, ao que tudo indica, da soma de uma das piores secas da história e de temperaturas recordes, ambas efeitos do aquecimento global, porém o país não prima pela atitude responsável em relação às mudanças climáticas. Nos últimos quatro meses, as labaredas destruíram milhares de casas, devastaram florestas e esvaziaram cidades. Pelo menos vinte pessoas morreram e quatro estão desaparecidas. Calcula-se que meio bilhão de animais tenham queimado nas fogueiras deste verão.
Até este início de 2020, uma área de 100 000 quilômetros quadrados havia sido consumida pelas chamas. É pouco se comparada aos 305 000 quilômetros quadrados incinerados no Brasil ao longo de 2019. A diferença é que, aqui, a maior causa de incêndio são as queimadas ilegais, evidentemente criminosas, em pontos específicos de áreas pouco populosas. Na Austrália, ao contrário, o fogo surge na maioria das vezes de uma combinação de pequenos acidentes (jogar bitucas de cigarro perto da vegetação, entre outros) com muito calor e se espalha carregado pelos ventos fortes. Sydney e Melbourne, duas das maiores metrópoles australianas, são vistas nas imagens de satélites da Nasa engolfadas por uma fumaça densa. Cenas de cangurus queimados ou cercados por chamas intransponíveis viralizaram nas redes sociais. A ministra do Meio Ambiente, Sussan Ley, confirmou a extinção de um terço da população de coalas no Estado de Nova Gales do Sul, um dos mais afetados. Lá, a Marinha precisou providenciar a remoção de centenas de turistas acuados entre as chamas e o mar. Além dos mais de 70 000 bombeiros, 3 000 reservistas das Forças Armadas foram convocados para combater incêndios, a maior operação militar desde a II Guerra Mundial.
O primeiro-ministro, o conservador Scott Morrison, eleito em maio com uma plataforma de apoio irrestrito à indústria do carvão e ele mesmo cético em relação ao aquecimento global — uma posição replicada pelos governos de outros recordistas em terras calcinadas, como o próprio Brasil e os Estados Unidos —, reagiu pouco e tardiamente aos efeitos dos incêndios e tem visto sua popularidade desabar. Terceira maior exportadora de carvão do mundo, a Austrália figura na lista dos vinte grandes poluidores do planeta. “O governo não quer associar incêndios à mudança climática para proteger a indústria dos combustíveis fósseis, mas está cada vez mais difícil separar as duas coisas”, diz Matt McDonald, professor de política do clima na Universidade de Queensland.
Em meados de dezembro, a temperatura média na Austrália bateu dois recordes até alcançar 41,9 graus. O verão apenas começou, janeiro e fevereiro costumam ser os meses mais críticos e há previsão de poucas chuvas. Desanimados, os australianos sabem que o quadro deve piorar antes de poderem ter algum refresco. É uma situação dramática, pontuada por imagens chocantes.
Publicado em VEJA de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669