Arqueólogos acham neurônios preservados em vítima da erupção do Vesúvio
Cientistas descobrem em Pompeia, destruída há 2 000 anos, um cérebro que se transformou em vidro pela ação do calor
Calor infernal, nuvens formadas por cinzas vulcânicas e devastação por todos os lados. Esse provavelmente foi o cenário dos últimos momentos de vida dos habitantes de Pompeia e Herculano, cidades destruídas pela erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. O evento congelou a região no tempo, preservando cadáveres, animais, casas e tudo o mais que pudesse existir. Desde a descoberta de Pompeia, no século XVIII, as escavações locais têm se tornado mais frequentes, levando a revelações extraordinárias que costumam trazer novos conhecimentos sobre o período histórico, a cultura e os hábitos milenares dos moradores. O mais recente achado é ainda mais intrigante. Cientistas da Universidade de Nápoles Federico II, na Itália, encontraram um cérebro humano transformado em vidro pela erupção do Vesúvio, o que reforça a tese de destruição instantânea. Não é só: o órgão vitrificado preservou boa parte dos neurônios da vítima, fenômeno tão raro quanto inesperado. “A descoberta de tecido cerebral em antigos restos humanos é um evento incomum”, disse Pierpaolo Petrole, líder do estudo, à revista científica Plos One.
É fácil entender como o mais importante órgão humano foi vitrificado. No momento da erupção do Monte Vesúvio, estima-se que a temperatura em Pompeia e Herculano tenha atingido inacreditáveis 520 graus, o que é suficiente para matar um ser humano em frações de segundo. Com o calor excessivo, o corpo entra em ebulição. A gordura corporal pega fogo, enquanto a maior parte dos tecidos moles é saponificada (ou seja, literalmente se transforma em sabão).
No indivíduo em especial encontrado pelos pesquisadores italianos, o cérebro, em vez de ser vaporizado pela altíssima temperatura, passou, por alguma razão ainda desconhecida, por um processo diferente que levou à vitrificação. Para simplificar: isso significa que a matéria cerebral derreteu e se fundiu, tornando-se vidro em decorrência do calor infernal. Após a recuperação do tecido, que era até então desconhecido para os especialistas, análises laboratoriais apontaram a presença de proteínas e ácidos graxos, o que levou à conclusão de que se tratava de um pedaço de cérebro que havia passado por um calor intenso e repentino. Segundo os cientistas, o cérebro era de um jovem de 25 anos que foi achado em uma cama de madeira soterrada por toneladas de cinzas vulcânicas.
Encontrar tecidos moles bem preservados em sítios arqueológicos é algo bastante raro. Em pouco tempo, o material orgânico se decompõe — é o oposto do que ocorre com os ossos, feitos de minerais sólidos e, portanto, mais resistentes ao passar dos anos. De fato, trata-se de um achado incomum, e graças a uma razão principal: a idade avançada do tecido encontrado. A maior parte dos cérebros antigos capturados pelos cientistas data de alguns poucos séculos atrás, e não de dois milênios. Embora a amostra encontrada em Herculano não seja a mais velha já descoberta (ainda em 2020, pesquisadores acharam na Inglaterra o tecido cerebral de um ser humano da Idade do Ferro com 2 600 anos), é impossível não se surpreender com o ótimo estado de preservação do tecido mesmo depois de tantos anos oculto sob as ruínas.
Agora, os cientistas vão se debruçar na análise minuciosa do cérebro e dos neurônios restantes, na esperança de vislumbrar alguma revelação inédita sobre o cataclismo que aniquilou Pompeia e arredores. A nova pesquisa dos arqueólogos italianos é só mais um exemplo — ainda que especialmente interessante — de como os habitantes da região e toda sua história foram imortalizados pela explosão do Vesúvio. À medida que a exploração dessas cidades se intensifica e as ferramentas dos pesquisadores se tornam cada vez mais avançadas e potentes, a tendência é que a ciência chegue rapidamente a novas e surpreendentes revelações. Pompeia pode ter sido destruída por um dos acontecimentos mais ferozes já protagonizados pela natureza, mas seu legado continua a ecoar mesmo 2 000 anos depois.
Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708