‘Aprendi, com as redes sociais, que não é útil expressar opinião’
Em entrevista a VEJA, o astrofísico Neil deGrasse Tyson fala sobre ciência, racismo e as motivações para o novo livro
O astrofísico Neil deGrasse Tyson se tornou popular ao apresentar conceitos complexos relacionado ao cosmo de forma simples e acessível. Agora, em novo livro, Mensageiro das Estrelas: Perspectivas Cósmicas sobre a Civilização (Editora Record), o pesquisador usa o método científico para se debruçar sobre grandes temas da sociedade.
Leia a entrevista com Neil deGrasse Tyson a seguir:
A abertura do seu livro traz uma citação com uma ideia muito tentadora de enviar políticos para o espaço. Já que não será possível tão cedo, qual a sua sugestão para incorporar a perspectiva cósmica e o pensamento racional defendido por você no livro nas vidas das pessoas? Não apenas enviá-los, mas arrastá-los até lá [risos]. Não sei se tenho uma resposta prática, porque a inclinação para o conflito parece estar muito profundamente enraizada em nós. E isso existe em todo o espectro de nações, pessoas e demografias. Então, você está certo, seria preciso uma nave espacial muito, muito grande para levar todos os que precisam dessa visão. Talvez possamos começar com as Nações Unidas, porque essas são pessoas que têm uma influência maior do que apenas um indivíduo. Talvez priorizar as pessoas mais cheias de ódio nas primeiras viagens. Desculpe-me, mas como astrofísico, tudo o que consigo pensar é em enviá-los para o espaço. Não se trata apenas do conhecimento de como a Terra se parece olhando do espaço. É a sensação que você tem ao perceber que todas as pessoas que você já conheceu ou ouviu falar existem nesse pontinho flutuante na escuridão. Sim. É o estado de espírito, em vez do estado de conhecimento, que acredito ser o que mais importa aqui.
No capítulo sobre conflitos você comenta que “de todas as profissões, os cientistas podem ser excepcionalmente capazes de produzir e sustentar a paz entre as nações”. Mesmo assim, é muito difícil encontrar políticos com formação científica. Por que isso acontece? No cenário político, a habilidade de persuadir alguém de suas ideias é uma parte decisiva para vencer eleições. Além do carisma. Se você fosse contratar alguém para liderar uma empresa, examinaria o currículo, obteria cartas de recomendação, faria entrevistas. Aparentemente, quando você está votando na pessoa com o cargo mais poderoso do mundo, nada disso importa. Ou educamos as pessoas a votarem naqueles mais qualificados para tomar decisões, ou treinamos os cientistas para serem mais simpáticos. O que mais me importa, no entanto, não é se o político é um cientista, mas se o político sabe como ouvir os cientistas. O político nunca vai ser um especialista em tudo. Eles podem continuar sendo a pessoa carismática, desde que saibam receber conselhos científicos e implementá-los em políticas públicas. Isso é tudo o que você precisa para garantir o futuro da civilização.
Sei que você já respondeu isso antes, mas passado tanto tempo, você se candidataria a presidência? Não! Eu repito a resposta que dei antes, não. Mas vou expandir isso. Minha argumentação, tanto antes quanto agora, é que você não pode pensar que simplesmente trocar de líder resolverá tudo. O verdadeiro ponto é que o líder em uma democracia representa as opiniões daqueles que votaram nele. Então, você pode trocar líderes com visões diferentes, mas ainda há a questão das pessoas que votaram neles, e como elas pensam e se sentem. Como educador, penso mais no eleitorado do que naqueles que são eleitos. Portanto, não, não acredito que me tornar presidente e impor minhas visões funcionaria.
Agora, saindo um pouco da política, você acha possível encontrar um equilíbrio entre essa visão científica do mundo que você defende no livro e crenças não científicas, mas culturalmente relevantes, como religião, astrologia ou até mesmo algumas correntes da psicologia? Depende do que você quer dizer com equilíbrio. Nem todas as crenças são iguais. Você pode acreditar em algo que talvez outra pessoa não acredite, mas se você força os outros a ter essa crença, isso é receita para o desastre. Um indivíduo que ascende ao poder e cria leis que se aplicam a todos deve se basear em verdades objetivas, em vez de crenças pessoais. Aqui nos Estados Unidos, temos muitas pessoas que têm certeza de que a Terra é plana, ou que tem certeza de que nunca fomos à lua, ou que têm certeza de que as vacinas matarão mais pessoas do que a doença que estão prevenindo. Essas coisas são objetivamente falsas. E acho que é dever de um governo garantir que as pessoas saibam disso. Por outro lado, se você acredita que Jesus é seu salvador ou Maomé é seu profeta, ou que há uma energia espiritual infundida no livro e nas árvores e nas montanhas. O governo não tem nada a ver com isso. Então, considerando que você não está matando pessoas ou restringindo as liberdades dos outros, está tudo bem. Não, eu não chamaria isso de equilíbrio. Eu chamaria de coexistência. Essa é uma maneira mais precisa de descrever.
Algo que chamou muito atenção na sua obra mais recente é que você usa ciência e dados para abordar tópicos sensíveis, especialmente raça, enquanto, no passado, você sempre favoreceu falar sobre astrofísica. O que o fez querer discutir esses assuntos? Bom… Então, eu aprendi, principalmente por meio das redes sociais, que não é útil expressar uma opinião, porque todos a atacam – o que é um estado muito triste para a sociedade. Eles querem que todos concordem e acham que só então ficarão felizes.Então, se você ler cuidadosamente esse livro, vai ver que nenhuma opinião é emitida, mas que se trata de uma reflexão sobre a sociedade a partir de verdades objetivas da ciência. Você pode discordar, porque não gosta. Porque entra em conflito com suas filosofias pessoais. Mas seu inimigo não sou eu. Seu inimigo é a estrutura natural do mundo. Eu não hesito em expressar as descobertas do universo que foram verificadas por experimento. Eu não vou correr atras das pessoas para falar sobre essas descobertas, mas não tenho problemas em falar sobre elas se o assunto aparecer.
Como você mesmo já disse, apesar da astrofísica não sofrer muita influência de vieses sociais, as pessoas trabalhando com ciência não são imunes a preconceitos como racismo, sexismo e homofobia. Você já sofreu com isso? E, se sim, tem alguma dica para pessoas que se encontram em situações semelhantes para superar esses assédios? Na minha vida, superei muitas barreiras raciais. Dada a cor da minha pele, estudar astrofísica às vezes parecia o caminho de maior resistência às expectativas da sociedade. Então, eu tinha um tanque de combustível que eu carregava comigo e cada vez que eu olhava para o universo e me maravilhava com sua majestade, isso enchia o tanque. Outra coisa que me ajudou é que investi grande esforço para medir onde eu me encaixava em relação aos meus colegas. Eu participava de conferências, ouvia suas perguntas e comparava com as minhas. E eu pensava, ok, pertenço mesmo a essa comunidade. Então, se uma oportunidade não surgisse, eu tinha o direito de desconfiar, de ser suspeito, porque sabia da minha capacidade. Por fim, é necessário discernir duas categorias diferentes de resistência que podem surgir no seu caminho. Uma delas vem de alguém que não tem influência sobre a sua vida e trajetória, como um taxista que escolhe não te pegar porque tem medo de você ou não sabe para onde você está ind. Ignore isso. Por outro lado, se houver alguém que você suspeita ter visões preconceituosas e que está entre você e seu objetivo, você precisa dar um jeito isso. Você precisa sair dessa situação. Você pode tentar lutar e se tornar um mártir, mas isso vai tomar seu tempo e a maioria dos mártires na história do mundo acabou morta. Então eu diria que esses são meus três conselhos: saiba exatamente onde você está em relação aos seus colegas, distinga as coisas que não importam das que importam e certifique-se de ter um tanque de combustível disponível para você usar, porque você vai precisar.
Por fim, você recentemente falou sobre a influência que seus pais tiveram na sua formação e isso fica muito claro neste livro. Como essa postura que herdou deles te impacta hoje em dia? Meus pais, ao verem pessoas revoltadas, especialmente durante o Movimento pelos Direitos Civis, os xerifes com cães de ataque e mangueiras, por exemplo, eles sempre diziam “Ah eles não sabem de nada”. Foi assim que fui criados. Para eles, nós tínhamos que educar essas pessoas. Agora, é claro, eu não fui vítima direta das mangueiras ou dos cassetetes policiais. É fácil falar assim quando você vê a situação toda pela TV. Mas eu não sei se consigo carregar ódio, porque o ódio não resolve, ele te consome por dentro. Se alguém pensa muito diferente de mim, eu quero conversar sobre isso. Convidá-los para jantar. Não para brigar, mas para falar sobre a situação. Além da conversa, eu não sei o que mais podemos fazer como espécie para dissipar o nível de ressentimento e ódio que está no mundo. Caso contrário, podemos apenas voltar para a caverna e usar porretes. Eu não quero isso, eu gosto do meu iPhone.