Anna Fisher, do primeiro grupo de mulheres da Nasa: “Quis ser exemplo”
A americana de 72 anos que ajudou a abrir caminho para outras astronautas ainda sonha com uma nova experiência no espaço
Como uma das primeiras mulheres no espaço, sentiu algum preconceito? Na verdade, fui bem recebida na Nasa, assim como minhas cinco colegas que inauguraram o time feminino. Mas só o fato de até o fim dos anos 1970 não haver sequer concurso para mulheres por lá é um sinal do quão atrasadas estávamos. Na década de 80, não se viam representantes do sexo feminino em cargos de poder nem treinamento para pilotas. Acho que ajudei a abrir caminho. Hoje são dezenas delas nas salas de comando que chegaram longe por puro profissionalismo.
A senhora foi também a primeira mãe a deixar a Terra em um foguete. Sofreu? Foi a decisão mais difícil que já tomei. Recebi o convite para integrar a missão da nave Discovery duas semanas antes do parto, e três dias após o nascimento da minha filha já estava em reunião para programar a jornada. O treino foi extremamente cansativo com um bebê em casa. Mas olho para trás e tenho imenso orgulho de ter ido tão longe na carreira e na maternidade.
Ao partir, chegou a considerar o cenário de nunca mais ver sua filha? Senti muito medo e, antes de embarcar, fiz vídeos e fotos ao lado dela. Se algo acontecesse, ela teria bastante material para se lembrar de mim. Apesar dos temores, nunca hesitei em aceitar a missão. Sempre quis ser exemplo para outras astronautas.
A Nasa tornou-se mais inclusiva para as mulheres? Sim. Primeiro, implementou um processo ativo de recrutamento em universidades, ao mesmo tempo que passou a indicar com frequência mulheres para postos de alta hierarquia. Há um comprometimento constante com o incentivo à especialização feminina, para que nunca faltem funcionárias qualificadas. O modelo funciona e pode ser replicado em outros países e indústrias.
Gostaria de voltar ao espaço? Adoraria viajar novamente e aproveitar a experiência sem a responsabilidade de trabalhar dezesseis horas por dia, para poder admirar a vista deslumbrante que se tem lá com toda a tranquilidade.
Qual a sua expectativa para o retorno do homem à Lua e a exploração em Marte? Vamos chegar lá em breve, mas lamento que essas conquistas estejam demorando tanto. A aventura espacial é um empreendimento técnico complexo, que depende de financiamento e vontade política.
Como vê o início da era dos voos comerciais para o espaço? Quando ouvi falar pela primeira vez sobre os planos de Elon Musk, achei que ele estava louco, mas nunca o subestimei. A verdade é que sonho um dia embarcar em um desses voos comerciais. Para mim, eles têm dois papéis vitais: descortinar janelas para o progresso científico e dar às pessoas a chance de olhar a Terra sob uma perspectiva incomparável. Todo mundo deveria ter uma oportunidade dessas uma vez na vida.
* Anna Fischer foi uma das convidadas da Semana de Inovação 2021, evento organizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Ministério da Economia
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765