A química das múmias: cientistas descobrem ingredientes da mumificação
Estudos foram feitos pela primeira vez com resquícios de produtos antes do contato com cadáveres e os resultados surpreendem
As múmias egípcias estão entre os artefatos mais misteriosos e interessantes da história. Para os egípcios, a mumificação envolvia um processo espiritual que permitia a transição da alma para o mundo dos mortos. E o processo não era simples. Exigia uma alquimia complexa e habilidades especializadas, sem falar em longas listas de ingredientes e embalsamadores profissionais, imbuídos de conhecimentos técnicos e sagrados, capazes de tornar possível a transição entre os mundos.
As receitas e bulas que esclarecem a composição e as formas de aplicação dos bálsamos de mumificação, no entanto, ainda permanecem um mistério. Quase não há evidências textuais nesse sentido. Um estudo publicado na Nature, contudo, buscou alternativas para desvendar a questão. Os pesquisadores identificaram resíduos de frascos rotulados encontrados em uma antiga oficina de mumificação egípcia situada no sul do Cairo. No complexo funerário, de aproximadamente 2700 anos, encontraram poços rasos onde os mortos teriam sido cobertos com natrão, uma mistura de sal usada para secar os corpos. Com o achado, foi possível entender a química complexa, baseada em resinas feitas com ingredientes exóticos, que faziam parte deste contexto.
O poço foi preenchido, entre outras coisas, com dezenas de recipientes de embalsamento. Foram encontradas xícaras, tigelas, pratos e queimadores de incenso, tudo rotulado com nomes de óleos e substâncias usadas para embalsamento. Fragmentos desses produtos foram analisados usando cromatografia gasosa, acoplada à espectrometria de massa. Embora estudos anteriores já tenham sido feitos em múmias e identificado produtos químicos, essa é a primeira vez que o conteúdo é analisado antes do contato com o corpo.
A análise revelou traços de gorduras animais, cera de abelha, óleos vegetais e betume, além de várias resinas vegetais. Graças ao aspecto gorduroso, as propriedades sobreviveram aos milhares de anos em bom estado de conservação.
Pesquisadores acreditam que o processo de mumificação era iniciado a partir da imersão dos cadáveres em natrão, em seguida eram banhados com as misturas pegajosas, com o fim de selar a pele, bloqueando a decomposição. Foram encontrados, inclusive, materiais com substâncias antibacterianas capazes de impedir a ação de microrganismos decompositores. A forma de aplicação poderia sofrer algumas variações, como ser aplicada diretamente na pele, ou por meio de bandagens de linho.
Na intrincada receita também foi possível identificar ingredientes mais exóticos, como dammar e elemi, resinas extraídas de madeiras nativas das florestas tropicais do Sudeste Asiático, a milhares de quilômetros de Cairo. Cedro e pistache foram importados do Mediterrâneo, e piche, do Mar Morto. De acordo com os cientistas, quase todas as substâncias dos embalsamadores vinham de fora e em grandes quantidades. O que pode ter feito com que a indústria da mumificação tenha impulsionado algum grau de globalização no Antigo Egito.
Os resultados apresentados na pesquisa também podem levar a uma revisão linguística dos textos antigos, graças ao rótulos que nomeiam ingredientes específicos e trazem instruções gerais, o que traz novas interpretações para termos conhecidos por egiptólogos, como antiu ou sefet. A primeira, os egiptólogos traduziam como mirra, mas nos vasos rotulados recém encontrados havia, na verdade, uma mistura de cedro. Sefet, que era usualmente descrita como “sete óleos sagrados” em textos antigos, acabou por ser uma mistura de cipreste ou resina de zimbro e gordura animal.