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“A divisão do Mar Vermelho pode ser explicada pela ciência”

Em entrevista ao site de VEJA, o cientista Carl Drews, da Universidade do Colorado, nos EUA, conta como a travessia do povo hebreu pelo Mar Vermelho pode ser explicada pela força dos ventos e de que forma esse conhecimento seria capaz de salvar vidas

Por Gabriela Neri
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h00 - Publicado em 11 nov 2015, 16h12

“Então Moisés estendeu a sua mão sobre o mar, e o Senhor fez retirar o mar por um forte vento oriental toda aquela noite; e o mar tornou-se em seco, e as águas foram partidas. E os filhos de Israel entraram pelo meio do mar em seco; e as águas foram-lhes como muro à sua direita e à sua esquerda”. A passagem bíblica do livro Êxodo, que descreve a divisão do Mar Vermelho, retratada na novela Os Dez Mandamentos, da Record, nesta terça-feira (10), explica como se deu a incrível fuga dos israelitas do Egito. Vendo o povo hebreu “encurralado” entre o exército do faraó Ramsés II e o Mar Vermelho, Moisés estende seu cajado sobre a imensidão azul, enquanto Deus traz um grande vento oriental. Então, as águas se dividem e os israelitas fazem a passagem em terra seca.

Pode parecer um milagre, mas, de acordo com pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos e da Universidade do Colorado, o movimento do vento descrito na Bíblia pode ter, de fato, afastado as águas sem quebrar nenhuma lei da física. De acordo com o estudo de Carl Drews e Weiqing Han, publicado em agosto de 2010 na revista científica Plos One, ventos fortes vindos do Leste, soprando durante toda a madrugada, teriam empurrado a água fazendo surgir uma passagem, permitindo que as pessoas atravessassem o local com segurança.

Drews, professor do Departamento de Ciência Atmosférica e Oceânica da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, escreveu um livro sobre o assunto, Between Migdol and the Sea (tradução livre, Entre Migdol e o Mar – a expressão Migdol” alude ao modo com que os arqueólogos se referem ao local da travessia dos hebreus), publicado em 2014, que traz algumas evidências históricas e científicas sobre o Êxodo. A obra, dividida entre o acontecimento do Êxodo e a compatibilidade entre fé e ciência, revela como os bastidores científicos de eventos históricos podem ajudar a salvar vidas.

“Esses estudos também são válidos para calcular quando acontecerá algum tufão no Golfo de Bengala (nordeste do Oceano Índico), por exemplo, já que esses ventos são os impulsos que originam as tempestades. Ou seja, esse conhecimento permitiria salvar a vida de pessoas que estão nessa região”, disse ao site de VEJA.

Nesta entrevista, Drews conta como a divisão do Mar Vermelho pode ser explicada e por que é importante que eventos bíblicos ganhem o aval da ciência.

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Como imaginou que a força do vento poderia separar as águas do Mar Vermelho? Durante as aulas de meu curso de pós-graduação em ciências atmosféricas, aprendemos sobre o fenômeno meteorológico de ventos fortes. Lembrei-me de que a Bíblia afirma que uma ventania separou o Mar Vermelho e resolvi investigar se esses ventos fortes poderiam estar na origem do fenômeno do Êxodo. Analisei os ventos que sopram sobre o Lago Manzala (antigo Lago de Tanis), no Egito e usei um modelo oceânico para reconstruir o evento bíblico. Assim, consegui provar que a divisão do Mar Vermelho pode ser explicada pela ciência – é perfeitamente plausível.

Existem registros históricos desse fenômeno? Em 1882, o major-general Alexander B. Tulloch, do exército britânico, documentou que algo assim aconteceu no Canal de Suez, perto de Port Said (cidade egípcia), abrindo uma passagem entre as águas. Tudo indica que esse é o mesmo evento que aconteceu na descrição do Êxodo. Segundo Tulloch, a ventania, vinda do Leste, soprou fortemente durante toda a noite, características descritas em nosso estudo sobre a divisão do Mar Vermelho. Em Port Said, o vento é predominante do Noroeste. No entanto, ocasionalmente, ventos quentes e secos sopram do Leste. Após a publicação de meu artigo, em 2010, recebi uma ligação de uma mulher que afirma ter presenciado esse fenômeno em 1948, no Lago Erie, nos Estados Unidos.

Como acontece a divisão? Fizemos simulações em computador reconstituindo as localidades mais prováveis da separação das águas do Mar Vermelho, levando em consideração as alterações do relevo ao longo dos anos. Elas mostraram que ventos fortes de 107 quilômetros por hora vindos do Leste e soprando durante toda a madrugada poderiam ter “dividido” as águas em uma região onde um afluente antigo do rio Nilo teria se fundido com uma lagoa costeira no Mar Mediterrâneo. Esses ventos fortes teriam permitido a travessia segura das pessoas – apesar dos ventos soprando contra. Imediatamente após o cessar da ventania, as águas teriam voltado ao normal. Assim, a história bíblica da divisão do Mar Vermelho pode ter acontecido naturalmente, sem quebrar nenhuma lei da Física.

Se fosse provado que esse fenômeno realmente dividiu as águas do Mar Vermelho, quais seriam as consequências? A travessia do Mar Vermelho é um evento de enorme importância cultural para o povo judeu. A passagem pelas águas representa o nascimento de uma nação, o início da identidade dos israelitas. Na tradição cristã, essa travessia é o batismo do “povo escolhido”, que recebeu Jesus Cristo 1.250 anos mais tarde. Esse episódio também é narrado no Alcorão, de acordo com a perspectiva islâmica. Caso seja confirmado, essa comprovação do evento histórico poderia determinar o tempo e o lugar exato deste evento, além de contribuir para a arqueologia e turismo da região.

Há estudos que explicam a separação do Mar Vermelho pelo fenômeno das marés. Isso seria possível? As marés da região não são altas o suficiente para afogar um homem adulto, com cerca de 1,5 metro de altura. Essa hipótese da maré depende de dois fatores bem improváveis: Moisés estar familiarizado com as marés em Suez (região onde fica o Mar Vermelho) e todo o exército egípcio ser completamente ignorante sobre esse acontecimento. Além disso, essa suposição também exige um calendário bem preciso por parte de Moisés. Então, para que as marés tivessem causado a divisão do Mar Vermelho, seria necessária a sincronização desses fatores, o que é quase impossível.

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Há também a versão do tsunami. Essa hipótese afirma que, durante a abertura, os israelitas atravessaram as águas e, logo em seguida, a onda retornou e afogou os militares egípcios que estavam perseguindo o povo hebreu. No entanto, o ciclo da onda de um tsunami é de, no máximo, 30 minutos, não de várias horas. Na passagem bíblica, a travessia do Mar Vermelho durou uma noite inteira. Ou seja, a duração de um tsunami não seria tempo suficiente para que todos os israelitas fugissem.

Há evidências científicas de que o Êxodo existiu? Sim. Existe um grande número de evidências arqueológicas e científicas que apoiam o relato bíblico e que situam o Êxodo durante o reinado do faraó Ramsés II. Alguns dos nomes de lugares mencionados nesse episódio bíblico são conhecidos pela arqueologia. O tamanho da divisão da carruagem egípcia também é preciso: 600. O relato dos ventos fortes, citado na Bíblia, é muito realista para ter sido inventado. Além disso, nosso modelo oceânico aponta para a travessia marítima na região de “Migdol”.

O Mar Vermelho que vemos hoje é o mesmo da época do Êxodo? Hoje, em Suez, o Mar Vermelho é muito parecido com as águas daquele tempo (1.250 a.C.). No entanto, o delta do Nilo mudou muito em 3.000 anos. A localização da travessia, o Golfo de Suez, está agora em terra seca, porque o delta tem avançado para o Mar Mediterrâneo. Esse lugar é muito bonito, possui grandes pomares e diversas árvores. Atualmente é possível visitar o local onde ocorreu a travessia de Moisés e do povo hebreu.

Por que o senhor acredita que fé e ciência são compatíveis e devem caminhar juntas? Nos Estados Unidos, há um problema que não existe no Brasil. Temos muitas pessoas que pensam que a religião e a ciência devem estar sempre em conflito. Contudo, Deus pode trabalhar por meio das leis da natureza para salvar os homens da destruição. E os cientistas modernos podem entender as leis da natureza e salvar as pessoas de doenças, fome, enchentes, furacões e terremotos. Não importam quais são suas crenças religiosas; é fascinante descobrir que uma história antiga tem base científica. ​

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