Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

União narcotráfico-milícias abre novo capítulo na luta contra crime no Rio

A aliança maligna dificulta ainda mais o combate ao horror. um movimento que desperta preocupação de autoridades

Por Lucas Mathias Atualizado em 3 jun 2024, 17h27 - Publicado em 1 mar 2024, 06h00

Foram cenas de guerra. A madrugada de terça-feira, 27 de fevereiro, no Rio de Janeiro foi marcada por tiroteios entre a polícia e a bandidagem escamoteada nos complexos do Alemão, da Maré e da Penha e em outras onze favelas nas Zonas Sul, Norte e Oeste da cidade. A megaoperação mobilizou 500 agentes das polícias Civil e Militar, que mataram nove suspeitos, prenderam outros dez e apreenderam doze armas, entre fuzis e pistolas. Mais de 20 000 alunos ficaram sem aula, com as escolas fechadas, unidades de saúde tiveram as atividades suspensas e alguns milhares de moradores foram impedidos de sair de suas casas para trabalhar. À primeira vista, parecia apenas mais um capítulo, o mais do mesmo, no jogo de gato e rato que há décadas se instalou entre as forças do estado e os criminosos. O conflito, contudo, trouxe à tona um fenômeno que se espalha, com imenso poder de destruição: o casamento entre o narcotráfico e as milícias — a “narcomilícia” —, aliança maligna que dificulta ainda mais o combate ao horror.

Todos os territórios em confronto têm em comum o fato de serem dominados pelo autodenominado Comando Vermelho (CV), historicamente atrelado às drogas, a maior facção fluminense. Mas a polícia está particularmente preocupada com a atuação na Região Oeste, onde lideranças do CV da Cidade de Deus deram as mãos para milicianos dissidentes, que se arvoram a ocupar espaço onde o estado não entra, e chegaram a controlar a comunidade da Gardênia Azul. O grupo formado pelos dois times já tentou em três ocasiões avançar sobre Praça Seca, Rio das Pedras e Muzema e o trabalho de inteligência identificou novos planejamentos para um futuro próximo. Sabe-se estar em movimento um grupelho batizado de “Equipe Sombra”, espécie de força tática do narcotráfico, que usa métodos paramilitares para liderar invasões e cometer assassinatos. Como reação, os adversários milicianos se bandearam para os lados do Terceiro Comando Puro (TCP), principal rival do CV nos morros, também afeito ao narco. É espantoso e inaceitável.

O termo “narcomilícia” já vinha sendo empregado havia algum tempo pelos representantes da lei para designar as quadrilhas que uniam as táticas de comércio de drogas e de domínio de serviços públicos, como transporte, venda de gás, fornecimento de conexão com a internet e TV a cabo clandestinos. “Há a percepção de que, não só a milicia lucra com a comercialização de entorpecentes nas áreas onde exerce sua influência territorial, como também as facções de tráfico adotam práticas tradicionalmente milicianas como extorsões. As facções de tráfico passaram a não só exigir dos moradores e comerciantes taxas de proteção, como também exercer o monopólio das vendas de água, botijões de gás, além da distribuição de sinais de TV e internet. Da mistura e igualdade de atividades de ambos os grupos armados, surge o neologismo”, explica Fábio Correa, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio. Mas o que se vê agora representa um novo passo: um pacto estratégico com o objetivo de aumentar o poder bélico e o capital desses grupos. “Se você não produz dinheiro no mesmo volume, não compete em pé de igualdade com os adversários”, diz um delegado que acompanha o tema de perto. Segundo as investigações, já se percebe a mesma sociedade em bairros da Baixada Fluminense e da Zona Norte, como em Madureira. “As distinções entre milícia e tráfico de drogas ainda existem, mas vemos cada vez mais associações pontuais”, diz o pesquisador Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense.” A entrada do CV nesse tipo de relação é uma novidade dos últimos anos”.

CHEFÃO PRESO - Zinho: espólio de miliciano é alvo de disputa das facções
CHEFÃO PRESO - Zinho: espólio de miliciano é alvo de disputa das facções (Polícia Federal do Brasil/AFP)

A Polícia Civil e o Gaeco monitoram a possibilidade de as narcomilícias se espalharem também por Santa Cruz e Campo Grande, dois bairros da Zona Oeste cujo domínio estava sob o controle do Bonde do Zinho, o apelido do chefão Luis Antonio da Silva Braga. A súcia é a maior milícia do Rio, cujo faturamento chegaria a 120 milhões de reais por ano. Ela se esfacelou depois de brigas internas, que levaram Zinho a se entregar à PF, na véspera de Natal do ano passado. Um dos sucessores e homem de confiança do delinquente já se uniu ao CV no passado para fornecimento de armamento pesado. Na favela do Antares, o conflito é considerado iminente. “Quando você enfraquece uma organização, outra vê uma oportunidade de tomar o território”, disse a VEJA Victor César Santos, secretário de Segurança do Rio. “Isso já estava sendo monitorado, mas agora começou a crescer. A megaoperação pretende estancar esse deslocamento dos criminosos para outras áreas.” A briga pelo espólio de Zinho, aliás, já produziu oito mortes desde dezembro do ano passado. Na tentativa de fugir da lógica do confronto, a polícia trabalha para ferir a estrutura financeira das organizações criminosas, na clássica tática de seguir o cheiro do dinheiro.

Na quarta-feira 28, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em 21 endereços, ligados a nove pessoas físicas e sete jurídicas, que seriam responsáveis por lavar o dinheiro obtido de forma ilegal. “Se a gente atacar a parte financeira, esses grupos que dependem do domínio do território para obter lucro ficam enfraquecidos”, diz Santos. É o que se espera. Até o momento, porém, a capacidade de articulação e a inteligência da criminalidade têm sido superiores às do estado em lidar com o problema. Está mais do que na hora de virar o jogo.

Publicado em VEJA de 1º de março de 2024, edição nº 2882

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.