Uma geração na linha de tiro: como é crescer nos morros cariocas
Ser criança em favelas como a Rocinha é ouvir tiroteio todo dia e não sair de casa – um exercício de sobrevivência que pode deixar marcas para toda a vida
Vítima dos estragos provocados pelos sucessivos anos de desgoverno no Rio, uma geração inteira de crianças está pagando o alto preço de crescer imersa em violência. Em janeiro, a média na Rocinha foi de um tiroteio a cada trinta horas. Na semana passada, não houve um único dia de trégua no morro que acomoda 70.000 habitantes e aparece em um relatório da Polícia Militar como área vermelha — território sobre o qual o estado não tem controle. Com o esfacelamento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e a bandidagem no comando, a situação deteriorou-se de vez de cinco meses para cá, quando duas quadrilhas rivais entraram em guerra por esse importante naco do tráfico de drogas na cidade. Venceu a facção Comando Vermelho, que enxotou os antigos donos do morro. Na segunda-feira 19, as ruas da favela estavam esvaziadas pelo medo, e nada havia mudado depois do estardalhaço em torno da intervenção federal no Rio.
A rotina das crianças criadas em um cotidiano de violência deixa marcas. Programado para sobreviver, o organismo arranja meios de se adaptar às adversidades. Mas a experiência de graves e prolongadas situações de stress faz o corpo entender que essa é a regra, ficando sempre alerta, pronto para reagir — e assim produz certos hormônios além da conta, como o cortisol. “Nessas condições, a estrutura e o funcionamento do cérebro tendem a se alterar. A capacidade cognitiva é afetada. Podem surgir comportamentos violentos e transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão”, afirma Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e da adolescência da Universidade de São Paulo. Reportagem de VEJA desta semana mostra o drama dos pequenos moradores de morros cariocas e o que os especialistas falam sobre os efeitos que o ambiente de guerra tem no desenvolvimento dessa geração.
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