O trágico dilúvio no Rio Grande do Sul – e um processo de reconstrução sem precedentes
O doloroso saldo: 183 mortos, mais de 2 milhões de desabrigados ou afetados de algum forma e 96% dos municípios em colapso devido às inundações

Não se deve menosprezar a força das mudanças climáticas. É questão de vida ou morte que não reside em futuro distante, mas já se fez presente na história recente do país. Os brasileiros acompanharam atônitos a devastação do Rio Grande do Sul depois de o estado ser atingido, entre o final de abril e o início de maio, por tempestades e enchentes catastróficas. O doloroso saldo: 183 mortos, mais de 2 milhões de cidadãos desabrigados ou afetados de algum forma pelo desastre e 96% dos municípios em colapso devido às inundações. O Lago Guaíba, que banha Porto Alegre, ganhou força desproporcional e rompeu as comportas que protegem a capital gaúcha, deixando-a submersa enquanto o volume hídrico batia recordes e o nível de água superava 5 metros de altura, ultrapassando o antigo recorde da pior cheia na região, em 1941.
Seguiram-se dias de dor, luto e batalha pela sobrevivência de famílias em abrigos e de ilhados em residências. O país teceu uma rede de solidariedade para envio de itens essenciais, como água e comida, e vibrou a cada resgate. Todas as formas de vida ganharam emocionante importância, caso do emblemático cavalo Caramelo, salvo pelos bombeiros depois de passar quatro dias resistindo em cima de um telhado na cidade de Canoas. A água mudou a paisagem, inundando o Aeroporto Salgado Filho, parcialmente reaberto após 168 dias fechado, e o Estádio Beira-Rio, cujo verde gramado se transformou em um lodaçal marrom durante vinte dias.
Não bastassem as perdas materiais e humanas, as enchentes desataram surtos de doenças. Casos de acidentes com animais peçonhentos, tétano, hepatite A, diarreia e leptospirose alargaram a lista de tragédias do episódio. Um processo de reconstrução sem precedentes tem se desenrolado para a recuperação de prédios públicos, estabelecimentos comerciais e lares, contando com créditos emergenciais para setores vitais, como a agricultura. São os dolorosos ensinamentos que a crise climática tem dado à humanidade. O Brasil a experimentou em uma amostra explícita de que, sem planejamento e vontade política, a boiada cobra caro quando passa sem interrupção.
Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2024, edição nº 2924