
As cenas foram de cortar o coração: ao menos 130 botos e tucuxis apareceram mortos em Tefé, na região amazônica do Médio Solimões. As causas ainda estão sendo investigadas, mas acredita-se em contaminação, possivelmente por mercúrio. A temperatura da água dos rios, que atingiu mais de 40 graus, certamente também contribuiu para a tragédia. Os picos do termômetro provocaram a mais severa seca da história e alguns trechos do Rio Negro ficaram completamente secos. Para além do triste cenário revelado pela fauna — um barco com piscina abrigava os animais resgatados com vida —, há implicações para as populações ribeirinhas, de circulação restrita, sem acesso a escolas e a alimentos que chegam de barco. A maior estiagem da história ainda interrompeu as atividades da usina hidrelétrica Santo Antônio e criou entraves para o transporte marítimo de grande porte. O governo federal, pressionado pelo drama, anunciou obras emergenciais de 138 milhões de reais para facilitar a navegação. É um paliativo, apenas, em um desastre que não pode ser visto como mera fotografia de um momento específico. Não é. Trata-se de um filme, cujo início acompanhamos, mas o fim desconhecemos. Os fenômenos climáticos extremos representam uma consequência direta do descaso com a natureza. A dor a emoldurar os golfinhos fluviais, queridos pelas populações do Norte, personagens de lendas passadas de geração para geração, é o retrato do socorro necessário.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862