Sem renovar bandeiras, PT luta para recuperar hegemonia na Grande São Paulo
A reconquista um reduto histórico, de um simbolismo quase sentimental, é prioridade na eleição deste ano para o partido
Foi no Grande ABC, no entorno metropolitano da capital paulista, que Lula subiu pela primeira vez em palanques improvisados nos anos 1970 para, como líder operário, desafiar a ditadura e pavimentar a criação de um dos maiores partidos políticos do país. O PT, ancorado em um eleitorado urbano e alavancado pelo movimento sindical em ascensão, ganhou musculatura e, com apenas oito anos de existência, conquistou em 1988 prefeituras importantes como São Paulo e São Bernardo do Campo. O auge da hegemonia, no início dos anos 2000, coincidiu com a alta popularidade dos governos petistas e gerou o que se chamou de “cinturão vermelho”. Nos anos seguintes, no entanto, alvejado pelo mensalão, Lava-Jato e impeachment de Dilma, mas também pela ascensão da direita e, principalmente, pela mudança do perfil da classe trabalhadora, o partido entrou em decadência na região, onde hoje administra apenas duas prefeituras.
A reconquista de um reduto histórico, de um simbolismo quase sentimental, é prioridade na eleição deste ano não só para o PT, mas para Lula. Além de Mauá e Diadema, onde há candidatos à reeleição, o partido lançou nomes para vinte prefeituras no entorno da capital. A empreitada não será simples, muito pelo contrário. Em nenhum município, nem mesmo naqueles que governa, o petismo está em vantagem. Em cidades estratégicas como Guarulhos, Osasco e São Caetano do Sul, o candidato petista está a mais de 20 pontos do líder, segundo pesquisas de intenção de votos feitas a um mês da eleição, e corre o risco de nem ir ao segundo turno.
A investida petista na região está amparada em nomes da velha guarda, como o ex-prefeito de Osasco Emidio de Souza, amigo do presidente, que governou a cidade por dois mandatos no auge do domínio petista, ou José de Filippi Júnior, ex-tesoureiro das campanhas de Lula e Dilma, que tenta o quinto mandato à frente de Diadema. Também está no páreo Jair Meneguelli, nome histórico do sindicalismo — sucedeu a Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e foi o primeiro presidente da CUT —, que disputa com muita dificuldade o comando de São Caetano do Sul, a única das grandes cidades do ABC que o PT nunca comandou. A aposta em nomes conhecidos, segundo o secretário-geral do PT no estado, Luiz Cláudio Marcolino, veio após diagnóstico de que há anseio por experiência administrativa após a onda de antipolítica nas eleições recentes. “Estamos trabalhando muito a questão da experiência e a relação com o governo federal”, afirma.
As dificuldades do PT, em sua maioria, são frutos da própria descaracterização do partido ao longo dos anos. Entre os problemas estão o afastamento da sigla do eleitorado, a baixa renovação de seus quadros — o que pode afastar o eleitor jovem —, a permanência da sigla na defesa de pautas que se descolaram do dia a dia das pessoas, a mudança no perfil dos trabalhadores, com a consequente perda de força dos sindicatos, e a ascensão da religião evangélica e da direita. “O que aconteceu com a social-democracia na Europa está acontecendo com o PT”, compara o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Eleitor. O presidente do partido em São Paulo, Kiko Celeguim — que foi prefeito de Franco da Rocha nos anos de ouro, entre 2013 e 2020 —, concorda. “As mudanças das relações de trabalho refletem na capacidade política dos partidos, principalmente daqueles que se dispõem a organizar a classe trabalhadora”, entende.
Apesar da má situação nas pesquisas, o PT aposta em duas crenças inabaláveis de seus adeptos. Uma é a de que é um “partido de chegada”, que cresce nos últimos dias de campanha. A outra é o poder de Lula. O presidente já gravou vídeos para candidatos e sua imagem tem sido explorada exaustivamente nas ruas, nas redes sociais e na TV. Há a expectativa de que o presidente vá ao menos a Diadema e São Bernardo do Campo, que ele já visitou neste ano e onde as disputas estão acirradas. Há ainda a ideia de convidar a primeira-dama Janja da Silva para ajudar nas campanhas em Santo André e Embu das Artes, onde o PT tem mulheres na disputa.
A reconquista da Grande São Paulo vai além do apelo simbólico. A região é o maior aglomerado urbano do país, com 21 milhões de pessoas. Em 2022, Lula foi o mais votado na capital e na maior parte das maiores cidades. Vencer as eleições municipais pode elevar as chances para 2026, quando o presidente deverá tentar a reeleição e haverá disputas para governadores, deputados e senadores. A dura tentativa até aqui de reconquistar o lugar onde nasceu pode ser boa oportunidade para o PT fazer uma reflexão sobre sua trajetória — e sobre todos (e não poucos) os erros que cometeu.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910