Políticos invadem as redes para mirar os jovens — mas nem sempre a tática funciona
Parte dos eleitores pode até curtir uma foto ou um vídeo, mas a dancinha no TikTok não produz milagres

Do alto de seus 35 anos, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), às vezes parece tão sisudo em público que acaba aparentando ter mais idade. Nas redes sociais, porém, o deputado é outra pessoa. O terno é deixado de lado, o vocabulário ganha as gírias do momento, a linguagem é a mais popular possível e a criatividade não tem limite. Em suas postagens, o parlamentar diz que gosta de “puxar um ferro”, discorre sobre benefícios de uma tal “vitamina H” e lembra que criou seu próprio buscador, o “Hoogle”. O “Hugão da massa” também gosta de comemorar o “momento mais esperado da semana” com um exultante “sextou!”. Mas nem tudo é brincadeira. O “presida” avisa que não abre mão do respeito e adverte para que ninguém pise em seu calo. Ele também guarda um segredo: costuma tomar suco verde e seu nome começa com “H” de Hulk, o herói gigantesco dos filmes da Marvel. A edição dos vídeos também intercala cenas do plenário do Congresso com efeitos, digamos, especiais, como um em que o deputado aparece pilotando um avião, enquanto celebra a inauguração do aeroporto de São João de Patos, sua cidade natal. “O deputado está voando baixo”, comemora uma voz ao fundo.

Esse tipo de investimento na internet faz parte de uma certeza cristalizada no mundo político de uns tempos para cá: tornou-se fundamental para as pretensões de qualquer um ter uma presença maciça no universo digital. Segundo um consenso entre especialistas em marketing, as redes sociais representam hoje a maneira mais fácil, rápida e barata de chegar aos eleitores, principalmente os mais jovens. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Brasil tem 51 milhões de pessoas na faixa dos 16 aos 34 anos. Chamar a atenção é o primeiro desafio, especialmente quando o alvo é esse público. Para atingir o objetivo, a linguagem precisa ser adaptada. Quanto mais direta e espontânea, melhor. “Esse nicho de eleitores é orientado pela cultura de plataformas, especialmente o TikTok e o Kwai. Por isso, a ideia é valorizar os conteúdos que trazem uma certa leveza, um certo humor”, diz Viktor Chagas, professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF). É justamente o que uma parcela da classe política está fazendo (ou tentando fazer), independentemente de partidos, ideologias e do bom senso.

Outro que vem pisando fundo nos investimentos digitais, o ministro dos Transportes, Renan Filho, tem planos ambiciosos para o futuro. Ele é cotado como opção do MDB para formar uma chapa com Lula em 2026, ou como virtual candidato ao governo de Alagoas. Nas redes sociais, ele publica curiosos automemes. No Carnaval, deu dicas de fantasias e “usou” algumas delas. Ao anunciar a duplicação de uma rodovia no Rio de Janeiro, “vestiu-se” de pirata. Na mais bizarra de todas, colou seu rosto ao corpo de uma mulher grávida. Renan Filho ganhou recentemente um rival de peso nesse campo da lacração sem limites. Escalado para tentar melhorar a imagem do desgastado Ministério da Saúde, o médico Alexandre Padilha, um bom administrador, tem produzido cenas estranhas para popularizar os programas de sua pasta. Nas redes sociais, encarna o “samuzeiro” — referência ao profissional que trabalha nas ambulâncias do Samu, a sigla para o serviço gratuito de emergência —, aparecendo como se fosse um personagem de videogame. O “samuzeiro” encara desafios e, claro, supera todos eles. Logo no início do atual governo, quem surpreendeu foi o vice-presidente, Geraldo Alckmin. O “picolé de chuchu”, como ele acabou sendo apelidado entre os detratores pelo estilo insosso, transformou-se na internet. Nas redes, ele aparece em montagens como músico de axé, DJ e chef de cozinha. Tudo muito natural, claro.

Na política brasileira, inegavelmente, o grande ponto de virada a respeito da relevância das redes ocorreu na campanha de 2018, quando Jair Bolsonaro conquistou boa parte do eleitorado usando apenas um celular. O capitão segue firme nesse campo. Com seus mais de 30 milhões de seguidores, o ex-presidente se dedica a postagens sobre temas políticos, mas também usa as plataformas para fazer piadas. Às vezes, terceiriza algumas publicações. Há alguns dias, foi postado um vídeo da festa de seu aniversário. Bolsonaro discursou: “Quem diria que ia chegar o dia em que eu seria o mais experiente do grupo. Mas talvez eu seja mais ativo que todos vocês”, disse. “É o chip! É o chip, é o chip, é o chip!”, puxou um coro, ao lado da mulher, Michelle. Ao seu estilo de humor do padrão “quinta série”, Bolsonaro se referia a um implante de hormônios que fizera recentemente. A peça teve milhões de acessos.

Cotado para ser o substituto de Bolsonaro no campo da direita na corrida ao Palácio do Planalto do ano que vem, o governador paulista, Tarcísio de Freitas, multiplicou nos últimos tempos a presença nas redes e passou também a fazer postagens com um toque de humor, uma forma de tentar amenizar a imagem de político sisudo e sem muito jogo de cintura. Ao prestar contas sobre as obras de um trecho do metrô, o governador montou uma cena dele em uma escavação do túnel com um imenso tatu ao fundo e a seguinte legenda: “O tatuzão chegando!”. Haja criatividade.

No governo federal, a orientação é para que os ministros inundem as redes sociais, sem esquecer, claro, a tal “linguagem adaptada”. Quando assumiu em janeiro o comando da Secretaria de Comunicação, o marqueteiro Sidônio Palmeira estabeleceu critérios sobre como cada política pública deveria ser divulgada, mapeou pontos sensíveis que poderiam virar arma nas mãos da oposição e ampliou a presença do presidente e dos ministros nas redes sociais. Em uma reunião com deputados e militantes petistas, ele apresentou as linhas gerais da linguagem que considerava ideal para executar esse terceiro ponto da estratégia. “Rede social gosta das coisas sujinhas, sujinhas no bom sentido, aquele negócio mais soltinho, mais simples”, ensinou. Desde então, Lula passou a gravar vídeos pretensamente mais descolados em meio a algum evento do governo, como uma inauguração de obra, ou em atividades informais, em caminhadas ou fazendo ginástica, por exemplo. A tática, porém, ainda não surtiu efeito. A desaprovação do governo disparou nos últimos meses e chegou a 56%, mostrou pesquisa Genial/Quaest divulgada na quarta-feira 2. Esse levantamento, aliás, é uma sucessão de más notícias para o Palácio do Planalto: para 50% dos eleitores, as recentes aparições de Lula, instado a sair às ruas, conceder mais entrevistas para alavancar marcas do terceiro mandato e inundar as redes sociais com os tais vídeos descontraídos, não têm ajudado a melhorar a percepção que o brasileiro tem do presidente e do governo.

Entre a população de 16 a 34 anos, recorte que abarca um terço dos eleitores aptos a votar, as redes sociais reinam absolutas como meio de informação mais relevante. No entanto, a popularidade do governo Lula também despencou nessa faixa etária: 64% dos entrevistados desaprovam a gestão do petista. Memes e piadas mostram-se capazes de burilar a imagem de um político, torná-lo mais próximo das pessoas e criar certa empatia. Parte dos eleitores pode até curtir uma foto ou um vídeo, mas a dancinha no TikTok não produz milagres quando as coisas não vão bem em um mandato.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938