Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Polêmica da taxação de importados revela danos das trombadas no governo

O caso mostra como o populismo continua dividindo a gestão Lula e interferindo em decisões que deveriam ser técnicas

Por Daniel Pereira Atualizado em 3 jun 2024, 16h35 - Publicado em 31 Maio 2024, 06h00

Com a polarização cristalizada no país, quase todo debate de projetos e medidas oficiais se transforma em disputa entre Lula e Jair Bolsonaro. O caso da taxação de compras de até 50 dólares em sites estrangeiros não foge à regra. Com problemas de popularidade, o presidente da República ignorou as recomendações da equipe econômica e disse que deveria vetar a cobrança de tributo nessas transações, para não punir a parcela da população com menor poder aquisitivo. Já o seu antecessor e principal adversário político se lançou numa cruzada a favor da manutenção da isenção, sob o argumento de que a gestão atual “é só mão no bolso do contribuinte”, como declarou seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Numa tentativa de ganhar a batalha na opinião pública, Lula e Bolsonaro recorreram a discursos de fácil entendimento, mas negligenciaram as questões técnicas, que deveriam prevalecer no caso. Ambos, de certa forma, acabaram derrotados em votação na Câmara. O prejuízo político foi maior para o petista, que viu aliados baterem cabeça sobre o tema, numa série de trombadas para a qual contribuiu, como de costume, a falta de uma posição clara do governo.

SEM SINTONIA - Haddad e Alckmin: opiniões divergentes das do chefe
SEM SINTONIA - Haddad e Alckmin: opiniões divergentes das do chefe (Wallace Martins/Thenews2/Folhapress/.)

A ideia de taxar compras em sites como Shopee e Shein foi lançada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no início do ano passado. Seria uma forma de combater a sonegação fiscal, inibir fraudes diversas e garantir competitividade à indústria nacional frente aos exportadores asiáticos. Tão logo revelado, o plano foi criticado por bolsonaristas e usado para desgastar Lula. A repercussão foi enorme e negativa para o presidente. Numa tentativa de conter a sangria, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, chegou a publicar numa rede social uma informação errada, dizendo que a taxação, se implantada, não seria arcada por quem compra o produto. Diante da confusão, Haddad foi obrigado a engavetar a proposta, que ficaria em banho-maria não fosse a pressão dos fabricantes brasileiros. Entidades como a Confederação Nacionais da Indústria (CNI) e a do Comércio (CNC), além da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, passaram a cobrar dos congressistas a aprovação da taxação. O lobby surtiu efeito, e a iniciativa foi incluída no meio de um projeto de lei apresentado pelo governo que estimula a descarbonização no setor automotivo. Tudo com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

MEIO-TERMO - Lojas virtuais: acordo desagradou a todas as partes interessadas
MEIO-TERMO – Lojas virtuais: acordo desagradou a todas as partes interessadas (Justin Chin/Bloomberg/Getty Images)

Ciente da movimentação, Lula até pregou contra a criação do tributo dias antes da votação do projeto pelos deputados. O presidente alegou que não era justo a classe média desfrutar de isenção em compras em free shops no exterior enquanto “pessoas pobres, meninas e moças que querem comprar uma bugiganga, um negócio de cabelo” seriam obrigadas a pagar a nova taxa. Já Haddad, cujas cruzadas solitárias são conhecidas, discursou em sentido contrário, defendeu a taxação e acusou o governo Bolsonaro de transformar o contrabando em política de Estado: “O contrabando foi oficializado no Brasil, e as coisas tomaram essa proporção. Agora, o Congresso está tomando para si a tarefa de mediar”. Entre os discursos de Lula e Bolsonaro, os deputados ficaram com a posição da indústria nacional e, sob a batuta de Lira, aprovaram uma taxação de 20% nas compras de até 50 dólares em sites estrangeiros. Foi uma espécie de meio-termo, já que a Fazenda e representantes nacionais queriam uma alíquota maior, de até 60%. “Todos os partidos entenderam que a taxação de 20% daria um equilíbrio para manter o emprego de milhares de pessoas”, declarou Lira. “Foi o acordo possível para o momento.”

Continua após a publicidade
NO CHÃO - Voa Brasil: anunciado há mais de um ano, programa ainda não decolou
NO CHÃO - Voa Brasil: anunciado há mais de um ano, programa ainda não decolou (Bruno Santos/Folhapress/.)

A votação, que conseguiu a proeza de desagradar todas as partes interessadas, ocorreu de forma simbólica, que é adotada quando há consenso e os partidos não querem externar publicamente os seus posicionamentos a respeito de um tema. Ciente do potencial político do caso, Bolsonaro até tentou convencer a legenda dele, o PL, detentora da maior bancada da Casa, a rejeitar a medida. Em vão. Na reunião da bancada , o líder da sigla, deputado Altineu Côrtes (RJ), leu uma mensagem que o empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da rede Havan, encaminhou ao próprio ex-presidente para defender a necessidade da cobrança da taxa. No texto, de forma correta, Hang alega que a cobrança é vital para assegurar um mínimo de isonomia entre os fabricantes brasileiros e asiáticos. No ano passado, Bolsonaro também tentou impedir a aprovação da reforma tributária, mas fracassou. A maioria do Congresso até se identifica com as pautas conservadores empunhadas pelo capitão, mas, quando a agenda é econômica, felizmente, tem seguido o caminho do bom senso.

EMBARQUE - Costa: promessa de passagens aéreas a 200 reais
EMBARQUE - Costa: promessa de passagens aéreas a 200 reais (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
Continua após a publicidade

A proposta de taxação de compras de até 50 dólares em sites estrangeiros seguiu para análise do Senado e, se aprovada, será submetida ao crivo de Lula, que será, então, obrigado a formalizar a posição do governo. No momento da sanção presidencial, Haddad e o vice-presidente Geraldo Alckmin, que comanda o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, esperam prevalecer sobre Janja e parte da bancada petista refratária à adoção do novo imposto. Pontos de vista divergentes são comuns em governos e até bem-vindos quando qualificam o debate e aperfeiçoam medidas. No terceiro mandato de Lula, no entanto, sobram trombadas, bate-cabeça e descoordenação na equipe, problemas potencializados pelo distanciamento do presidente do dia a dia da administração.

PROBLEMA - Petrobras: intrigas, interferências políticas e prejuízos
PROBLEMA - Petrobras: intrigas, interferências políticas e prejuízos (André Motta de Souza/Agência Petrobras/.)

Outro exemplo disso foi a polêmica sobre a distribuição de dividendos extras pela Petrobras. Lula vetou inicialmente a medida porque só ouviu as opiniões dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia), que trabalhavam em parceria para derrubar o então chefe da companhia, Jean Paul Prates. Só depois da decisão tomada, o presidente conversou com Haddad, que apresentou informações adicionais relacionadas à questão, como o seu impacto nas contas públicas. Com os novos dados em mãos, o presidente recuou e determinou a distribuição dos dividendos.

Continua após a publicidade
DESCOORDENAÇÃO - Silveira: projetos enfrentam resistência interna
DESCOORDENAÇÃO - Silveira: projetos enfrentam resistência interna (Cristiano Mariz/Agência O Globo/.)

A Petrobras, por sinal, é motivo de uma barafunda. Até agora, não está claro qual o plano do governo para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. O ministro Alexandre Silveira quer pressa na execução desse projeto. Lula dá sinais de que concorda com ele, mas até agora não deixou clara a sua posição à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, refratária à ideia. A falta de sintonia fina atravanca até iniciativas mais prosaicas, como o programa Voa, Brasil, anunciado no início do ano passado pelo então ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, com o objetivo de vender passagens aéreas por cerca de 200 reais. O início do programa foi adiado mais uma vez, segundo o atual titular da pasta, Silvio Costa Filho, em decorrência do desastre natural no Rio Grande do Sul. Não está claro como as companhias aéreas serão ressarcidas. Isso, claro, se o plano decolar.

CAUTELA - Marina: reclamações sobre a falta de um plano para explorar petróleo no Amazonas
CAUTELA - Marina: reclamações sobre a falta de um plano para explorar petróleo no Amazonas (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
Continua após a publicidade

Reconhecida até por petistas influentes, a falta de coordenação do governo contribui para o desgaste de imagem do presidente. Quando assumiu o terceiro mandato, Lula ganhou um presente dos bolsonaristas. A invasão e depredação da sede dos três poderes deu a ele uma oportunidade de atacar o antecessor, reunir o país em defesa da democracia e construir pontes com líderes da oposição, em nome da defesa das instituições. Ao longo de 2023, o fantasma do golpismo foi perdendo força e apelo popular, e a atenção do eleitorado passou a se voltar cada vez mais para o trabalho da administração federal. Lula diz que já fez muito na economia, que semeou bastante em outras áreas e colherá frutos a partir de agora. Como de costume, externa uma visão otimista. Já as pesquisas contam uma história diferente. De maneira geral, a reprovação à gestão do petista subiu e, em algumas sondagens, já supera numericamente a aprovação. Também houve inversão em outro indicador importante: pela primeira vez, em pelo menos dois levantamentos, há mais gente dizendo que o país está caminhando na direção errada. Essas tendências tendem a se agravar se o presidente e seus aliados continuarem tropeçando nas próprias pernas.

Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.